A Sessão Científica sob o tema “Repensando as necessidades em saúde dos H. sapiens nascidos no século XXI” integrou a reunião ordinária de junho da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM), na manhã de sábado (29), no auditório do CREMERS.
Nesta segunda parte da programação, que enfatizou a saúde de crianças e adolescentes, o evento teve a coordenação dos acadêmicos Jefferson Piva, médico chefe da UTI pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor titular do Departamento de Pediatria da UFRGS, e Themis Reverbal da Silveira, médica gastroenterologista pediátrica e criadora do Programa de Transplante Hepático Pediátrico do HCPA.
Respondendo à indagação “O que mudou e o que sinalizam os indicadores pediátricos?”, o Acadêmico Piva observou que a mortalidade infantil diminuiu consideravelmente nos últimos 50 anos, passando de 100 óbitos por grupo de 1.000 nascidos para cerca de 10 mortes no mesmo universo comparativo. Entretanto, a maior preocupação é com a elevação da morbidade pediátrica atual, expressa em dados que ele classifica como assustadores. Citou, por exemplo, a gestação em corpos imaturos de adolescentes, que resulta em crianças com saúde comprometida, acarretando sequelas que também impactam no aumento dos custos financeiros do sistema de saúde. Como pano de fundo do cenário atual de crianças e adolescentes, indicou uma sociedade violenta e hostil, com 40 mil homicídios anuais e um alto índice de suicídio na faixa dos cinco aos 19 anos.
A professora Lavínia Schuler, titular do Departamento de Genética da UFRGS e do Serviço de Genética Médica do HCPA, também abordou um questionamento atual: “Como a genômica está impactando a saúde infantil?”. Ela salientou a importância do diagnóstico de anomalias congênitas e doenças raras, que têm aumentado significativamente. Estima-se que cerca de 13 milhões de brasileiros sejam afetados por 8 a 9 mil doenças raras, das quais 80% são de origem genética. “Um bom diagnóstico começa sempre com exames físicos e uma boa história familiar”, afirmou a geneticista.
Dando continuidade ao painel, a Acadêmica Themis, pioneira em transplantes de fígado em crianças no RS, discorreu sobre a realidade atual e novas perspectivas do procedimento cirúrgico. Ela informou que existem centros pediátricos em 15 estados brasileiros, mas apenas cinco são considerados referências em transplantes pediátricos: dois em São Paulo, um em Curitiba e dois na capital gaúcha, o Hospital da Criança Santo Antônio e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Themis apontou a Medicina de Transição como um novo e animador procedimento para a difícil passagem do adolescente para os cuidados com médicos de adultos, deixando para trás a fase do atendimento com o pediatra, uma dificuldade que sempre prejudica a continuidade do tratamento e pode significar a perda do fígado transplantado.
“Saúde mental em pediatria: uma agenda prioritária” foi o assunto tratado pelo professor Luis Augusto Rohde, Titular do Departamento de Psiquiatria da UFRGS e presidente da International Association of Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions. Sem poder participar presencialmente, ele enviou uma apresentação gravada que foi bastante aplaudida. O psiquiatra citou a depressão e a ansiedade como prevalentes entre as doenças de crianças e adolescentes, que seguem aumentando desde a pandemia da Covid-19, assim como o uso de álcool e drogas e o índice de suicídios nessas faixas etárias. “Não existe saúde sem saúde mental”, pontuou ele.
O Acadêmico Algemir Brunetto, médico oncologista pediátrico, fundador e superintendente do Instituto do Câncer Infantil, que abordou o tema “Desafios para inovação em oncologia pediátrica”, destacou a predominância da iniciativa privada na busca de melhores condições para a atenção à saúde de crianças e adolescentes com câncer. Ele disse que, graças às parcerias entre instituições e empresários, o ICI pode oferecer um atendimento qualificado aos pacientes e seus familiares, mudando o ambiente costumeiro do passado, de abandono dos doentes. Também frisou a importância de legislações específicas em níveis municipal, estadual e federal. E celebrou a constituição de uma frente parlamentar com 389 deputados federais que respaldam a Política Nacional de Atenção à Oncologia Pediátrica instituída em 2022.
“Qual a matriz hospitalar pediátrica mínima desejável?” foi o desafio do Acadêmico Emérito Fernando Lucchese, diretor dos Hospitais Criança Santo Antônio e Nora Teixeira (ISCMPA). Ele sinalizou a existência de uma crise na pediatria, com a perda de 26% dos leitos do sistema SUS, e relatou as agruras dos hospitais pediátricos, que são deficitários, padecem com a falta de profissionais qualificados e exigem uma estrutura de alta complexidade com muitas especialidades médicas. “Acordo diariamente com uma dívida de 40 mil, 50 mil reais”, afirmou. “Minha sorte é que estamos incluídos no complexo hospitalar da Santa Casa, que dá todo o amparo necessário”. O Acadêmico ainda observou a importância do ambiente de um estabelecimento hospitalar pediátrico, mostrando imagens da decoração do hospital da criança executadas por um artista de Santa Maria, Gustavo Corrêa, que criou um mundo com personagens imaginários, baseados em personagens do livro “Lili Inventa o Mundo”, de autoria do poeta Mario Quintana. Destacou, enfaticamente, o papel da Casa de Apoio Madre Ana, que hospedou mais de 6000 familiares desde 2016, quando o prédio foi doado por uma congregação de irmãs franciscanas.
Nos debates finais, manifestaram-se os acadêmicos Germano Bonow, Claudio Teloken, Claudio Marroni, Luiz Marczyk e a presidente Miriam da Costa Oliveira, que ressaltou a excelência dos palestrantes, salientando a qualificação harmoniosa de todos. Isso pode ser conferido no vídeo disponível abaixo.