Nunca foi novidade para Gerda Horn Caleffi posicionar-se de maneira pioneira e diferenciada como mulher e médica. Ela foi, em exemplo notável, a primeira (e única) presidenta mulher da Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS). Eleita em 1984, permaneceu três mandatos, até 1991, à frente da instituição. Também, por decorrência da conquista meritória que a projetou no cenário médico do estado, foi a única mulher fundadora da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina em maio de 1990. Na fotografia histórica da criação da entidade, a filha de Elinor Voight Horn e de Friedrich Wilhen Horn, nascida em Porto Alegre em 18 de agosto 1936, está eternizada ao lado de 59 colegas homens. Igualmente solitária está na mesa oficial da primeira sessão solene de instalação da Academia realizada no Hotel Plaza Rafael, no dia 29 de junho de 1991, congelada na imagem de “uma noite histórica na medicina gaúcha”, como clamou em manchete o jornal Zero Hora.
Por muito pouco, ela não se tornou a professora Gerda, sem sequer sonhar com a carreira na Medicina. O destino, entretanto, interveio logo após ela formar-se no curso Normal, em 1957, quando deixou o Colégio Farroupilha com sérias dúvidas sobre o seu futuro profissional. Por acaso, o pai comentou que o amigo Dr. Rudi Hemb tinha uma vaga no Laboratório Weinmann, no qual era diretor. Imediatamente, a jovem Gerda candidatou-se ao emprego, definindo o início de sua trajetória no setor da saúde, especialmente pelo ambiente de trabalho que a cativou tanto. Pouco tempo depois, em 1958, ingressou na Faculdade de Medicina da UFRGS, dedicou-se integralmente aos estudos, especializando-se em Neurologia e formando-se em 1963. A seguir, começou a trabalhar no Pavilhão São José da Santa Casa, abriu serviço privado de eletroencefalografia, atuou no Hospital Psiquiátrico São Pedro e atendeu em consultório particular concorrido. Conquistou os títulos de especialista em Eletroencefalografia pela Sociedade Brasileira de Eletroencefalografia e Neurofisiologia Clínica da AMB em 1972 e pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul em 1988. E de especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia em 1976 e pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul em 1988. Entre março de 1978 e 1982, fez pós-graduação em Neuroanatomia no curso de Ciências Biológicas-Neuroanatomia da UFRGS.
O inesperado intrometeu-se, de forma radical, em sua trajetória em 1981. O marido e piloto de avião Ercílio Domingos Caleffi, pai de suas quatro filhas, faleceu em um acidente aéreo. Com adolescentes de 16, 15, 14 e 13 anos para criar, ela reuniu energias para educar Lorena, Tanara, Andrea e Elinor, mas também voltou-se para a representação da categoria, de certa forma, reinventando-se aos 45 anos.
A Academia dispôs de uma acolhedora sede provisória nos tempos iniciais graças à cessão que ela fez de uma sala no novo prédio da AMRIGS edificado na Avenida Ipiranga, em terreno doado pelo governo do estado. Ao longo de suas gestões, coordenou a transformação de um esqueleto de projeto inicial atribuído ao arquiteto Oscar Niemeyer em um grande prédio de 4.000 metros quadrados, com salas amplas, boas acomodações e um espaçoso estacionamento que a sede antiga, em edifício da Avenida Salgado Filho, no centro histórico da capital, não oferecia.
Ao longo do seu trajeto de aperfeiçoamento profissional, sedimentado em inúmeros cursos de extensão, congressos, seminários, mesas-redondas, apresentações de trabalho e elaboração de textos técnicos, no Brasil e no exterior, a Dra. Gerda exerceu cargos importantes em níveis regional e nacional, como na Sociedade Brasileira de Eletroencefalografia e Epilepsia. “Há uma extrema exigência de tempo e dedicação na atividade representativa, que pode prejudicar as outras”, disse ela, em 2019, em seu apartamento espaçoso, de arquitetura característica das construções sólidas e antigas de Porto Alegre, aos 83 anos, avó de seis netos, com a elegância característica e o olhar da juventude retido no azul límpido, ao argumentar em busca de justificativa para o número menor de mulheres nos cargos institucionais.
A Dra. Gerda deixou de clinicar em 1995, mas, dez anos antes, já voltava-se para um novo desafio moldado por sua preocupação com a preservação do meio ambiente, integrando o Instituto Brasileiro de Produção Sustentável (IBPS), fundado pelo segundo marido, o também médico e produtor rural Carlos Adílio Maia do Nascimento (falecido em 2015). Nesta época, cursou Mestrado em Ecologia na UFRGS e passou a acompanhar o desenvolvimento da visão ambientalista com a mesma dedicada devoção à família e à Medicina. Autora de poesias, contos e crônicas, participante de várias oficinas literária, com publicação na coletânea A Descoberta da Cidade – Memórias em Porto Alegre (Ed. Dublinense, 2013), a Dra. Gerda atribui à Academia uma importância fundamental especialmente por reunir médicos para compartilhar novos conhecimentos de maneira presencial com profissionais que dividem experiências e inovações. “Buscar novidades médicas na Internet é outro departamento, bem diferente”, sentencia, observando que esta ferramenta é acessível a qualquer leigo.