Heitor Masson Cirne Lima nasceu a 19/07/1912 em Porto Alegre. Era filho de Elias Cirne Lima, professor e diretor da Faculdade de Odontologia de Porto Alegre, e de Judith Machado Masson Cirne Lima. Foi casado com Carmem Chaves Barcellos e o casal teve seis filhos homens (Paulo Roberto, Cláudio Luís, José Francisco, Pedro, Henrique Lucas e João Batista), e quatro mulheres (Maria Isabel, Ana Maria, Maria Teresa e Maria Beatriz). Ingressou na Faculdade de Medicina de Porto Alegre e nela foi aluno exemplar. Na avaliação do seu curso médico as palavras plenamente aprovado e aprovado com distinção são uma constante. Concluiu o curso médico no ano de 1931, tendo apresentado como trabalho inaugural de doutoramento a tese: Contribuição ao estudo experimental do choque traumático. O professor Heitor iniciou-se no magistério logo após sua formatura, tendo sido nomeado primeiro assistente de clínica médica em 25/07/1932. Em 31/10/1934 foi nomeado primeiro assistente de clínica cirúrgica. No ano de 1935, defendeu sua docência livre na disciplina de Clínica Propedêutica Cirúrgica, e, em 1939, sua segunda docência na disciplina de Anatomia e Fisiologia Patológica. Em 22/11/1939 foi nomeado docente livre desta disciplina. Fez sua formação complementar com o professor Bingler da Alemanha, que, na época, estava cedido à Escola Paulista de Medicina. De volta a Porto Alegre, iniciou seu trabalho na Santa Casa e dentro dela destacou-se principalmente pela criação do Serviço de Cancerologia, inicialmente sediado na Enfermaria 40 e, mais tarde, no Hospital Santa Rita. Na Santa Casa, foi um irmão sempre presente, extremamente ativo e participante.
Provedor nos momentos mais difíceis, quando a sociedade só aceitava para a Santa Casa a função de atender os pobres, os desvalidos, os esquecidos e excluídos, se usada a linguagem de hoje. Foi uma época de penúria, em que o sentido da caridade, do altruísmo e da solidariedade predominava, mas levariam a instituição ao caos econômico e à insolvência que já se avizinhavam. O Professor Heitor Cirne Lima foi pessoa decisiva nos momentos de transição da Faculdade Católica para Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Ele foi diretor da Faculdade por mais de 16 anos e esteve presente em momentos decisivos desta escola. Era um homem extremamente humilde e bondoso. Dispensava o mesmo tratamento cordial, tanto ao mais reconhecido dos professores, quanto ao mais simples funcionário do almoxarifado. Não era muito afeito a ser fotografado. Telmo Bonamigo considera que o professor Heitor Cirne Lima como diretor foi um estadista, pois soube prever e viabilizar o futuro da casa; um político, pois soube harmonizar o convívio de pessoas com tendências até confrontantes do ponto de vista político e que se uniam para o bem do ensino e da assistência aos pacientes; um pai para os estudantes mais pobres, pois sendo esta escola, particular em seus primeiros anos, nenhum aluno deixou de prestar exames ou concluir seu curso, por insuficiência de recursos; um amigo dos alunos, pois sempre soube ouvi-los, entendê-los, ajudá-los e também perdoá-los. Telmo Bonamigo lembra muito bem quando sua turma festejou a marca dos últimos cem dias na escola. A festa foi no antigo Centro Acadêmico, localizado onde hoje se situa o estacionamento.
Depois de exageros festivos, houve uma quase implosão física das instalações da sede do Centro Acadêmico. O Professor Heitor chamou a todos e com voz firme, mas paternal, disse: “Não posso acreditar no que meus olhos viram, mas meu coração está aberto, vou procurar entendê-los, mas já estão perdoados”. Foi um professor como poucos. Impressionava sobremodo sua cultura geral e científica e a sua capacidade de discorrer sobre qualquer assunto da área médica. Suas aulas não tinham uma duração definida. Às vezes, dava a impressão de que o tempo não tinha importância para ele e para os alunos, pois ele tinha muito a ensinar e os alunos muito a aprender. E, assim, algumas aulas se estendiam além do que os modernos didatas recomendam, mas todos se mantinham atentos, pois ele sabia dosar a apresentação de novos conhecimentos com a correlação clínico-patológica que cada caso permitia. Lembra Bonamigo, de uma de suas aulas, que ele interrompeu ao receber a informação de que o Presidente Kennedy havia sido assassinado. Ele parou por instantes e a seguir comunicou: “Acaba de falecer um homem muito importante para o nosso tempo. Quando um homem desta estatura é morto da forma como o foi, só nos resta meditar. Peço a vocês que meditem. A aula está suspensa”. E saiu cabisbaixo. Lembra ainda Bonamigo de duas palavras que ele ensinou a usar e a entender: autopsia e cordial. “A autopsia é o ato supremo para o patologista”, dizia ao preferir seu uso ao invés de necropsia. Preferia autopsia, para que quem a realize sinta como se estivesse fazendo este ato com os seus próprios órgãos e tecidos, com profundo respeito ao outro que está à sua frente, já sem vida, mas servindo para a sua última lição para todos nós, médicos.
Da palavra cordial, tão usada, dizia: “procurem usá-la no sentido etimológico mais profundo, ou seja, saindo do seu próprio coração”. Por ocasião de reencontro, quando a primeira turma da Faculdade completava 25 anos de formatura, ele ofereceu a todos a mensagem sobre a caridade, contida na primeira mensagem de São Paulo aos coríntios (I COR 13). Quando da fundação da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina, o professor Heitor Cirne Lima foi escolhido para integrá-la como membro fundador. Ocupou a cadeira de número 58, que tem como patrono o professor Octávio de Souza. O professor Heitor Cirne Lima faleceu no dia primeiro de fevereiro de 1994 deixando um rastro de realizações e de respeito.