Newton Neves da Silva nasceu em Porto Alegre (11/06/1914). Estudou no Colégio Anchieta e cursou com brilhantismo a Faculdade de Medicina de Porto Alegre de 1933 a 1938. Casado com Lacy Azevedo Neves da Silva, com quem teve sete filhos. Metódico, disciplinado e avesso a superficialidades, já em 1933 foi nomeado auxiliar-acadêmico do Laboratório Microbiológico da diretoria de Higiene (atual Secretaria da Saúde), onde se tornou médico laboratorista em 1939 e chefe da secção de Microbiologia em 1957. Pioneiro, já na década de 1940 participou das primeiras tentativas de produzir Penicilina, sem mínimos recursos em relação ao gigante americano que, por fim, a produziu. Numa época em que publicações científicas eram raras no nosso meio, publicou mais de cinquenta trabalhos de alta qualidade na área de saúde pública, durante sua carreira, sobre doenças transmissíveis e evitáveis por meio de imunização.
Fundou e dedicou 36 anos de sua vida ao Instituto de Pesquisas Biológicas do RS (IPB), dirigindo-o por quinze anos, de 1959 a 1974. A partir de 1959, comandou a produção de vacinas com a intenção de erradicar a malária no país e serem exportadas. Coordenou campanhas anti-poliomielite, utilizando pela primeira vez a vacina Sabin. Além do laboratório, tornou-se médico especialista em Patologia Clínica. Foi professor de Microbiologia na UFRGS e na Escola de Enfermagem. Fundou e presidiu em 1963, no Hospital Ernesto Dornelles, a primeira comissão de controle de infecção hospitalar do Brasil. Atuação que é considerada um marco na epidemiologia do Rio Grande do Sul, entre outras, sintetiza a seriedade e o espírito científico deste pioneiro. Como diretor do IPB, mesmo com poucos recursos, como é uma constante no Brasil, identificou o primeiro vírus pandêmico da gripe asiática no Brasil em uma amostra coletada em 15 de agosto de 1957, em Uruguaiana, RS. Ao observar a evolução da epidemia de gripe que teve origem em abril de 1957, em Singapura e daí espalhou-se pelo globo, os técnicos em epidemiologia previram fosse o Brasil atingido pela mesma na primeira quinzena de setembro. Mas, já em meados de agosto, tinha-se notícia de um surto gripal em Uruguaiana, cidade limítrofe com a Argentina, e, de material colhido no dia 15 do mesmo mês, foram isoladas três amostras de vírus da influenza que, nas provas de inibição de hemaglutinação, mostraram-se idênticas à raça A/Japão/305/57. O mesmo vírus foi isolado em Porto Alegre, de material colhido em 1° de setembro. Newton obteve dezessete amostras de 73 pacientes de vírus da influenza, todos com comportamento sorológico idêntico ao tipo já referido.
Muito além do diagnóstico clínico, sua pertinácia científica constatou por informes epidemiológicos que o surto de gripe asiática atingiu Porto Alegre na segunda quinzena de agosto e chegou ao clímax de 20 a 30 de setembro. Para que tivesse dados mais próximos da realidade, efetuou um levantamento domiciliar em amostras representativas da população e um inquérito sorológico para pesquisa de anticorpos específicos. Este inquérito foi realizado por um grupo de 24 assistentes-sociais, educadoras sanitárias e alunas da Escola de Enfermagem, aproveitando a divisão da cidade determinada pelas áreas de atividade de cada Centro de Saúde. As pessoas que adoeceram de influenza foram classificadas por grupos etários. Nesse caso, a pesquisa de anticorpos específicos é uma prova segura para verificar o número de infectados. Com métodos avançados para a época, o levantamento domiciliar mostrou que, no período em estudo, 34% da população adoeceu de influenza, ou seja, 170.000 casos ocorreram em Porto Alegre, muito mais do que o notificado clinicamente. A amostragem separada de cada zona sanitária da cidade pode constituir-se numa repetição do inquérito. E a concordância de seus resultados aumentou-lhe o valor estatístico. Sem se afastar das características epidemiológicas dos países onde a epidemia grassou, o surto de influenza em Porto Alegre evoluiu de acordo com o esperado, isto é, atingiu um terço da população, predominou nas pessoas de baixo nível econômico, com grande incidência em crianças. Enquanto o levantamento domiciliar mostrou que 34% da população adoeceu de gripe asiática, o inquérito sorológico revelou que 54% foi infectada com o vírus. Portanto 20% dos habitantes fizeram uma infecção subclínica, assintomática, traduzida apenas pela presença no soro de anticorpos específicos. A distribuição mensal dos soros reagentes mostra claramente que, após um máximo de positividade em outubro (54,2%), houve um declínio no mês de dezembro (44,6%).
Representa este estudo, entre tantos que fez, avanço significativo. Caracterizar incidência extra-clínica de uma doença permite identificar agente, traçar estratégias de prevenção e tratamento, antecipar prognósticos e gastos. Este é um exemplo que engrandece uma biografia. O artigo correspondente em português, foi republicado em inglês pelo Health Journal, mostrando a criatividade e a qualidade da pesquisa feita neste Estado naquele tempo, associando inquérito residencial e sorológico. O inquérito sorológico baseou-se em mesma metodologia usada nessa época em estudos feitos em New York para caracterização da pandemia. Vocação genuína e inata para a pesquisa médica, sem estágio no exterior, mestrado ou doutorado formais, foi o mais genuíno dos pesquisadores, mostrando que quando o santo é bom faz milagres na própria casa. Não guardou o talento apenas para si, mas foi extremamente ativo no associativismo médico, atingindo enormes segmentos da população médica e leiga. Presidiu a Sociedade de Higiene do RS (1947) e foi membro da Sociedade Brasileira de Higiene, depois convidado pelo Ministério da Saúde para integrar grupo de trabalho para o estabelecimento de Política Nacional de Saúde, foi também membro da Sociedade Brasileira de Microbiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Em 1962-1963, presidiu o Conselho Regional de Medicina do Estado do RS e a Associação Médica do Rio Grande do Sul, de 1965 a 1967. Na AMRIGS foi um dos criadores do “Exame AMRIGS” para testar a qualificação dos recém-formados. Concomitantemente, atuou como membro do Conselho Superior da FAPERGS, de 1966 a 1974. Em 1991, figurou como um dos fundadores da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina e foi seu segundo presidente em 1993-1994. Newton Neves da Silva faleceu em 01/07/1994. Em 2004, a Assembleia Legislativa do RS prestou-lhe uma homenagem em sessão plenária. A Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde-FEPPS inaugurou o Espaço Histórico Dr. Newton Neves da Silva, no hall de entrada do Laboratório Central do Estado-Lacen.