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A ‘arte médica’ dos geniais pintores da Renascença

O derradeiro Encontro de Literatura e Medicina deste ano, ocorrido nesta terça-feira (08/12/2020), comprovou a importância cultural e a relevância social deste evento promovido pela Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina, desde 2016, com a coordenação do Acadêmico Rogério Xavier. Ainda que de modo remoto, além da excelência da exposição do convidado, o encontro possibilitou o intercâmbio de ideias dos participantes virtuais no fecundo ‘bate-papo’ que o presidente da entidade, Carlos Henrique Menke, tanto valoriza nas relações presenciais dos acadêmicos.

Do ponto de vista da Cultura e das Artes, o colóquio sobre “Os ensinamentos médicos na arte de Michelangelo” evidenciou o brilhante trabalho do professor de Anatomia do Departamento de Ciências Básicas da Saúde da UFCSPA, Deivis de Campos, que conquista repercussão mundial ao revelar novas leituras da obra do autor, um dos principais gênios renascentistas, Michelangelo, como também de Leonardo da Vinci, que escondem símbolos, imagens, senhas e códigos cifrados em suas pinturas.

CARICATURA DESVENDADA

Há dois anos, Deivis revelou resultados de uma pesquisa publicada na renomada Revista Clinical Anatomy, divulgando descoberta feita em uma obra de Michelangelo datada de 1525: ele encontrou uma imagem do pintor renascentista entre os traços do retrato que o artista fez para presentear sua amiga Vittoria Colonna. No canto inferior esquerdo, a figura aparece curvada, como se estivesse concluindo a pintura (que, à época, não continha assinatura pois, em geral, as obras eram encomendadas pela igreja).

Até então, o mundo só conhecia um único auto retrato, no qual Michelangelo desenhou a si próprio, de pé, pintando a Capela Sistina, em 1509.  São os traços deste esboço, ilustrando um poema, que deram a certeza a Deivis que se tratava de uma caricatura de mesma origem autoral.

CÓDIGOS OCULTOS

Na apresentação, que teve a participação especial da Acadêmica Miriam da Costa Oliveira, considerada por Deivis como apoiadora fundamental em suas pesquisas in loco na Itália, o professor disse que, normalmente, só tem um computador e alguns livros para realizar suas pesquisas sem patrocínio financeiro. Mas sua férrea determinação para investigação é produto de um olhar atento, treinado pelo conhecimento acumulado, como observou a doutora Miriam, que acrescentou observações sobre a inclusão do alfabeto hebraico e da cabala judaica nas pinturas da Capela Sistina do Vaticano, sem que seu próprio mecenas, o Papa, sequer desconfiasse.

O certo é que Michelangelo possuía um aprofundado conhecimento do corpo humano. Assim, foi no desenho que evocava a anatomia dos órgãos femininos reprodutivos que o artista utilizou para construir os capitéis desenhados no teto da Capela Sistina, dando ideia de volume em suas exatas proporções. Com o passar dos anos Michelangelo foi acrescentando seu perfil a muitas de suas obras, ora por motivo caricato, ora como desafio de sua criatividade ímpar.

Por exemplo, na pele arrancada de São Bartolomeu em “O Juízo Final” afigura-se seu rosto, como a imitar o sudário de Cristo. Ou, na “Pietá Rondonini”, a Madona tem face masculina que presume-se seja de Michelangelo já idoso onde teria a intenção de demonstrar o conflito da alma restrita pelas configurações usuais do corpo. Ainda,  no Davi majestoso, antes de enfrentar Golias, quando este último lhe era muito superior em força e deveria estar aterrorizando o moço valente. Pois, o artista sempre foi de quebrar paradigmas, desde seus tempos de jovem em Florença. E que o consagraram.

SAÚDE DE MONALISA

Até um debate médico ocorreu em torno de um novo trabalho de Deivis, que deve ser publicado no início de 2021, na revista Acta Biomédica, sobre detalhes do famoso retrato da Monalisa, de autoria de Da Vinci. O professor acredita que a anisocoria, diferença nas pupilas dos olhos da modelo, pode indicar que ela portasse hipotireoidismo associado a uma possível deficiência hormonal oriunda da gestação do segundo filho.

Sem se convencer totalmente da moléstia funcional da tireoide, a Acadêmica Miriam aponta o lipoma na mão de Monalisa e a presença de bócio.

E o Acadêmico Cláudio Marroni imagina que pode ser apenas uma pitada de vaidade da senhora retratada, seguindo um costume da época de pingar uma gota de substância nos olhos para tornar o olhar mais brilhante. “Talvez tenha esquecido de pingar em um dos olhos”, simplificou.

O Acadêmico Waldomiro Manfroi expressou o orgulho que sente como conterrâneo do especialista gaúcho com a dimensão internacional alcançada pelo colega.

O colóquio ainda contemplou a notável faceta poética de Michelangelo Buonarroti (1475-1564), com a declamação de uma poesia de sua autoria, pelo acadêmico Rogério Xavier