O V Encontro de Academias de Medicina realizado na manhã deste sábado (9) na entidade anfitriã de São Paulo, com a participação de acadêmicos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, envolveu uma programação variada que trafegou por temas como o positivismo e a medicina, dependência química, a importância do barbeiro cirurgião, os caminhos do SUS e o ser humano no mundo
A primeira parte foi reservada para palestras sobre aspectos históricos. Na segunda parte, o tema foi a dependência química, com três abordagens. Após, a conferência de encerramento do ser humano no mundo.
O positivismo se manifestou em vários estados brasileiros como São Paulo e Santa Catarina, mas foi no Rio Grande do Sul que mostrou uma peculiaridade fixada na própria Constituição Estadual de 1891, em que defendia a liberdade profissional integral sem qualquer exigência específica para exercício do papel de médico. Assim, a influência da filosofia política de governo de Júlio de Castilhos sobre a Medicina foi determinante para retardar a obrigatoriedade da regulamentação da carreira. Por isso, se não se mostrou totalmente negativa foi, no mínimo, “conflitiva”, no entender do palestrante sobre a temática dos seguidores de Augusto Comte, durante o evento.
O paulista Sérgio Bortolai Libonati destacou que um dos médicos que serve de referência na prática do positivismo é o gaúcho de Bagé, Alcides de Mendonça Lima – entre outros profissionais como escritores, professores, filósofos, jornalistas e políticos conservadores. Em São Paulo, ele ressalta a relevância do fundador e primeiro presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia paulista, Luiz Pereira Barreto, que é homenageado com uma vistosa estátua na Praça Marechal Deodoro onde morou até falecer em 1923.
Apresentada pela presidente da Academia Sul- Rio-Grandense de Medicina (ASRM), Acadêmica Miriam da Costa Oliveira, a médica e historiadora gaúcha Leonor Schwartsmann lembrou que, neste período 1890 – 1930, muitos estrangeiros foram acolhidos para cumprir a função médica sem diplomação, no estado positivista que homenageia Júlio de Castilhos com uma estátua na Praça da Matriz, cercada pelos prédios dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e da Catedral Metropolitana. Em 1931 a fundação do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul é marco emblemático da mudança profissional legitimada com o Decreto Federal de 11 de janeiro de 1932 instituindo a obrigatoriedade do diploma e do exame de habilitação.
Importância do barbeiro como cirurgião
A palestra seguinte foi do Acadêmico titular da Diretoria de Memória da Medicina Sul-Rio-Grandense da ASRM, Paulo Prates, versando sobre as origens do barbeiro- cirurgião. Em sua digressão, ele situou o início da prática cirúrgica na idade média quando os barbeiros faziam procedimentos como sangrias, especialmente socorrendo feridos em guerras.
Como eram artesãos, construíam seus equipamentos para intervenções mais invasivas como o barbeiro que criou uma peça especial para retirar a ponta metálica de uma flecha do rosto do rei Henrique V, salvando-lhe a vida que perdurou por mais nove anos.
Incursionando no assunto das “Novas drogas e suas complicações”, o psiquiatra da Academia paranaense, Dagoberto Hungria Requião, alertou para os riscos dos canabinóides e sustentou que a maconha de inocente emprego recreativo dos anos 1960 hoje, na versão sintética, é muito perigosa, podendo causar danos cerebrais, acidente cardiovascular, infarto do miocárdio, convulsões, dor torácica, levando à perda do controle mental -como um zumbi. “É indiscutivelmente uma situação grave e emergencial”.
Não existe maconha segura
Na sequência, o médico José Alexandre Crippa, da área de neurociências do Hospital de Ribeirão Preto da USP, assegurou que não existe “maconha segura” como alega-se para explicar o uso recreativo da droga que é cada vez maior. Para ele, a maconha possui mais de 1000 substâncias com efeitos de toxicidades bem distintas que precisam ser pesquisadas profundamente, ignorando as tendências puramente mercadológicas que contribuem para desinformar. Os estudos ainda são limitados e insuficientes para determinar a segurança do THC e do canabidiol que compõem a droga – embora alguns laboratórios já tenham produzido medicamentos.
O Acadêmico paulista José Luiz Amaral que tratou dos Caminhos do SUS recuperou a trajetória da medicina no Brasil desde a chegada de Pedro Álvares Cabral em 1500, trazendo na nau Capitânia, suprida de boticas e barbeiros, o pioneiro João Faras que também era astrônomo. Atribui-se aos religiosos jesuítas a primeira organização de uma estrutura de saúde com um banco de dados primitivo em 1543. Nos tempos modernos, em 1904, a descoberta da vacina contra a varíola representou um salto científico importante no tratamento de doenças. Na era de Getúlio Vargas, nos anos 1930 com a reorganização do trabalho criaram-se os institutos previdenciários. Mas só em 1973 foi instituído um plano nacional de imunização e dois anos depois o Sistema de Vigilância epidemiológica que antecedeu o SUS, criado na constituição federal de 1988. “Foi um longo caminho com muitas pedras”, disse.
Boa Medicina com dependentes químicos também
O vice-presidente da ASRM, Acadêmico Sérgio de Paula Ramos falando sobre “Alcoolismo a doença que pouco se diagnostica”, ainda acrescentou a expressão “e que poucos se interessam em tratar”. De fato, recorrendo a diversos gráficos com estatísticas, demonstrou que poucos alcoolistas são aconselhados pelos médicos a procurar tratamento específico. Estes constituem um percentual diminuto de 1,4%, mas, no entanto, se buscam ajuda apresentam alto índice de recuperação acima dos 80%. Dependência “democrática” que atinge homens e mulheres de diferentes estamentos sociais, econômicos e culturais, ocorre cada vez mais cedo. Aos 13 anos de idade ocorre o primeiro contato com a bebida alcóolica, ou o primeiro gole – embora a doença alcoolismo aconteça bem mais tarde quando observa-se a presença de pelo menos 2 requisitos dos 11 contemplados na CID 10.
Considerando álcool, tabaco e outras drogas, cerca de 15 a 20% da população é constituída de dependentes químicos. “Vale a pena exercer a boa medicina com estes pacientes também”, ponderou o Acadêmico.
Ser humano do mundo
Sem auxílio de apresentação pronta, o último a falar foi o Acadêmico Luiz Alberto Silveira, de Santa Catarina, que recorreu a um poema do gaúcho Mario Quintana, substituindo apenas a palavra livro, pelo vocábulo “conhecimento”. Entoou então: “o conhecimento não muda o mundo; o conhecimento muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo”. Silveira disse que deve-se distribuir conhecimento para se trilhar uma travessia continuada que não se acaba mas reúne elementos para aumentar o conhecimento e a inteligência. Estes são atributos fundamentais para enfrentar um mundo de 8 bilhões de habitantes vulneráveis a eventos adversos como as pandemias, vítimas da desinformação e transformados em algoritmos ameaçados pelo mau uso da inteligência artificial.