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AGOSTO DOURADO – por Cesar Victora

O valor da amamentação é celebrado todos os anos durante o mês de “Agosto Dourado”. Na condição de mamíferos, os seres humanos não teriam sobrevivido sem o leite materno. Nos últimos 50 anos, pesquisas epidemiológicas e clínicas demonstraram a importância do aleitamento materno na prevenção da morbimortalidade por doenças infecciosas. Mais recentemente, estudos de coortes de nascimentos revelaram efeitos benéficos a longo prazo em relação ao sobrepeso, obesidade e diabetes, assim como sobre a inteligência, escolaridade e renda dos adultos. Os efeitos sobre a inteligência foram confirmados em diversas populações, sendo explicados pela composição do leite materno – em especial os ácidos graxos poliinsaturados de cadeias longa – e possivelmente pelos efeitos do leite no microbioma intestinal. O aleitamento também promove o vínculo entre a mãe e seu bebê, com benefícios psicológicos duradouros. Além desses efeitos já comprovados, novas pesquisas continuam a identificar benefícios do aleitamento até recentemente desconhecidos. Uma série de artigos publicados na revista The Lancet em 2016 resumiu tudo que era conhecido até então sobre as vantagens do aleitamento materno. Vários desses estudos foram – e continuam sendo – realizados aqui no nosso Rio Grande do Sul e divulgados internacionalmente.

As atuais curvas de crescimento infantil adotadas pela Organização Mundial da Saúde e utilizadas em mais de 140 países são baseadas em crianças amamentadas, que representam o crescimento ideal da espécie humana. As curvas foram construídas a partir de crianças de cinco continentes, com a América do Sul sendo representada pela cidade de Pelotas.

Agora em 2023, a revista The Lancet publicou uma segunda série de artigos sobre amamentação, com ênfase no que é atualmente conhecido como os “determinantes comerciais da saúde”. Tais determinantes incluem a promoção de cigarros, bebidas alcoólicas e alimentos ultraprocessados, entre os quais estão incluídos os substitutos do leite materno ou fórmulas infantis. Embora as fórmulas sejam indicadas em situações em que a mãe não pode ou não deseja amamentar, sua promoção abusiva através de múltiplos meios de comunicação (incluindo as mídias sociais) tem incentivado mães de todo o mundo a optarem pelo aleitamento artificial. A série Lancet conclui com um apelo aos gestores e profissionais de saúde para a urgente regulamentação da propaganda enganosa sobre as vantagens de fórmulas artificiais.

Em 2016, ao comentar sobre os benefícios do aleitamento sobre a saúde e a inteligência – e consequentemente sobre a produtividade econômica – o então Vice-Presidente do Banco Mundial Keith Hansen fez uma afirmativa de impacto: “Se a amamentação não existisse, a pessoa que a inventasse mereceria um duplo Prêmio Nobel: em Medicina e em Economia”.

Texto de autoria do Acadêmico Cesar Victora