| por Rodrigo Nascimento
Tudo estava pronto para a cirurgia. O paciente chegou à emergência após um acidente de carro, tendo sido diagnosticado com um hematoma subdural com sinais de hipertensão intracraniana. Ele já se encontrava na mesa cirúrgica sob todos os cuidados da equipe médica, que realizaria uma craniotomia para redução da pressão intracraniana. O médico responsável da equipe, Dr. Renan, já estava pronto para dar início à cirurgia, respirando fundo para acalmar-se em meio àquela situação de emergência.
Então para iniciá-la, empunhou firme o bisturi e com um movimento único e decidido, avançou seu peão central para a casa de E4. Seu adversário, por sua vez, jogou C5, abrindo o jogo com a Defesa Siciliana, conhecida por muitos como a abertura que permite maior chance de vitória para o jogador que está com as peças negras.
Mas contra quem era disputado esse jogo de xadrez em meio a uma cirurgia? Era essa a pergunta que Renan se fazia. Todavia não sabia responder se era contra si mesmo, se era contra a morte ou se era contra o tempo que seu paciente ainda possuía de vida. Só sabia que, contra tal adversário misterioso, o único resultado que importava para si e para seu paciente era a vitória, pois a situação não admitia empates.
No início da cirurgia, estava tenso e com as mãos levemente trêmulas, mas após a primeira incisão, acalmou-se e prosseguiu com maestria. O mesmo ocorreu durante a partida, em que conseguiu desenvolver suas peças na abertura, porém o adversário era experiente e conseguiu igualar o jogo.
Após as etapas iniciais da cirurgia, o couro cabeludo já estava incisado e o músculo temporal já havia sido dissecado e descolado junto de sua fáscia profunda para permitir a visualização dos ossos do crânio. Renan utilizou o craniótomo para fazer as trepanações e as secções ósseas, tendo ciência que qualquer descuido no processo poderia causar uma lesão na dura-máter. E foi justamente isso que aconteceu: com a partida equilibrada, cometeu um leve deslize que custou caro, perdendo seu cavalo que estava avançado na casa de D6 e que controlava casas importantes da dama e do bispo adversários.
Durante a realização de uma das trepanações, acabou exagerando na força e fez uma incisão não desejada na dura-máter, que resultou em sangramento e possível vazamento de líquor. Concomitantemente, os sinais vitais do paciente, que já estavam preocupantes, agora haviam piorado, sendo necessária a administração de fármacos intravenosos para auxiliar no processo. Após minutos que pareceram dias, Renan conseguiu virar o jogo próximo ao final da partida. Em um belo xeque aplicado em conjunto com um ataque duplo, conseguiu capturar uma das torres adversárias, possuindo agora três peões, uma torre, um cavalo e uma dama contra quatro peões, uma torre e uma dama do adversário.
Após a devida hemostasia, iniciou-se a duraplastia, que, quando completada, permitiria que ocorresse a redução da pressão intracraniana e a retirada do hematoma subdural do paciente. Renan, já se sentindo aliviado, estava confiante na vitória e resolveu sacrificar sua dama na casa de G8, sendo capturada pela torre adversária. O lance de arremate veio logo em seguida, movendo seu cavalo da casa de H6 para a casa de F7 e deixando o rei preso na casa de H8 por seus próprios peões e torre: xeque-mate. A duraplastia foi um sucesso, tirando momentaneamente o paciente de risco de vida. Posteriormente, a cirurgia foi completada: era o fim da cirurgia e o fim do jogo. O paciente vive.
*Estudante de Medicina da UFCSPA, 2º colocado no Concurso de Contos de Temas Médicos da ASRM