É como uma marca invisível, fixada a ferro e fogo na memória, que hoje, passadas mais de seis décadas, ainda o inunda de emoção.
Lembra a reação do pai, líder político e intendente de Lavras do Sul, ao ouvir que o primogênito de dona Medora Fabrício de Souza havia decidido seguir a carreira médica. Com olhos marejados de contida alegria, o Dr. Crispim Raymundo de Souza pronunciou uma frase que, na época, o filho considerou fora de contexto: “Tenho pena de ti”.
Somente mais tarde, o jovem nascido em 8 de setembro de 1940 entendeu que ser médico significa sofrer com a dor dos pacientes, chorar com seus doentes e, de certa forma, morrer um pouco a cada perda. Hoje, ele se pergunta: “Será que vou dizer o mesmo para minha neta Helena, de 15 anos, que dá sinais de querer seguir essa carreira?”. É assim que o acadêmico Blau Fabrício de Souza, titular da cadeira número 42 da ASRM desde 1998, reflete sobre o passado e o futuro.
Com mais de 80 anos de vida e uma carreira médica bem-sucedida, Blau não repetiria as palavras do pai, pois é um otimista convicto. Ele acredita que o sucesso na preservação da vida se sobrepõe aos momentos difíceis enfrentados na medicina.
Blau recebeu seu nome incomum em homenagem ao personagem Blau Nunes, da obra Contos Gauchescos, do escritor gaúcho João Simões Lopes Neto. Sua educação começou na Estância do Sobrado, onde vivia, e na Estância do Remanso, propriedade dos tios e padrinhos, que contava com uma excelente professora. Posteriormente, estudou como aluno interno no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Bagé. Deixou de ser interno quando suas irmãs e, mais tarde, os pais também se mudaram para Bagé para acompanhar a educação dos irmãos mais novos.
Ingressou no curso de Medicina da UFRGS em 1960. Durante essa fase, alugava quartos em pensões, fazia refeições no restaurante universitário (RU) e se preparava para concursos públicos, buscando um bom salário. Seu pai havia falecido em 1958, antes de vê-lo na faculdade, e Blau não queria depender da mãe viúva.
Enquanto estudava, foi secretário da Assembleia de Representantes do Centro Acadêmico, jogou futebol pela faculdade e escreveu para o jornal O Bisturi. Tinha o plano de voltar ao interior após a formatura, em 1965, mas a amizade com Ivo Nesralla, seu colega, mudou seus rumos, levando-o à especialização em cirurgia cardíaca.
Na Enfermaria 10 da Santa Casa de Porto Alegre, Blau deu seus primeiros passos na cirurgia. Decidido a seguir na especialidade, começou a trabalhar com o Dr. Cid Nogueira, de quem Ivo Nesralla era assistente no Departamento de Cirurgia da UFRGS. Em 1966, iniciou sua residência médica ao lado de Gilberto Barbosa, acompanhando o Dr. Cid Nogueira nas primeiras cirurgias cardíacas no Hospital Cristo Redentor. Foi nesse hospital que conseguiu seu primeiro emprego como plantonista da recém-inaugurada UTI.
Com a saída do Dr. Nogueira para o Rio de Janeiro, Blau seguiu trabalhando com Nesralla no Hospital Cristo Redentor e depois no Instituto de Cardiologia, onde ajudou a iniciar a cirurgia cardíaca. Mais tarde, atuou no Hospital Fêmina, na Cardioclínica, na Santa Casa e no Hospital Nossa Senhora da Conceição, ao lado dos doutores Gilberto Venossi Barbosa e Nei Antônio Rey.
Entre 1971 e 1972, passou pela Cleveland Clinic, onde teve contato com René Favaloro, pioneiro das cirurgias de revascularização com pontes de safena. Durante esse período nos Estados Unidos, já era casado com Flora Regina, artista plástica nas horas vagas, e tinha dois filhos, Rodrigo e Denise. O filho mais velho, Rodrigo, foi alfabetizado em inglês enquanto estavam no exterior. Após retornar ao Brasil, o casal teve mais um filho, Diogo. Hoje, os filhos lhe deram seis netos: Franklin e Francisco (da Denise), Maria Eduarda e João Pedro (do Rodrigo) e os gêmeos Pedro e Helena (do Diogo).
Blau Fabrício de Souza foi membro do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) por 10 anos. Na Associação Médica do RS (AMRIGS), presidiu o Departamento de Cirurgia Torácica, foi diretor eleito e, em 1983, recebeu mais de 900 votos para a Assembleia de Representantes. Também integrou o Departamento de Cirurgia Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.
Como médico legista, foi aprovado em primeiro lugar em concurso público, chegando a ocupar a direção do Instituto Médico Legal (IML). Participou de diversas revistas e publicações científicas e apresentou trabalhos em congressos nacionais e internacionais.
Publicações e Produção Literária
Blau é autor de nove livros:
- De todo laço (1992)
- Contos do Sobrado e outras histórias (1998)
- Uma no cravo, outra na ferradura (2004)
- A Bagé das minhas Lavras (2011)
- Pela palavra empenhada (2012)
- De Janguta a seu Ari (2014)
- Por falar em passarinhos (2016)
- Octoginta (biografia, 2021)
- Meus Jardins (crônicas, 2023)
Ele também coordenou a série de sete volumes Médicos (pr)escrevem (1995-2001) e participou de diversas antologias e comissões editoriais, incluindo a obra comemorativa 30 anos da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina.
Blau é membro do Instituto Histórico e Geográfico do RS, da Academia Sul-Brasileira de Letras e da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina. Além de médico e escritor, é produtor rural em Lavras do Sul, onde administra a Estância Salamanca, parte da antiga Fazenda do Sobrado, herança familiar.
Nos últimos anos, sua grande ocupação tem sido delegar responsabilidades aos filhos e investir na educação dos netos. Com otimismo, ele acrescenta: “E, quem sabe, dos bisnetos”.
Assista ao depoimento completo do Acadêmico no vídeo disponível abaixo.