O III Encontro das Academias paulista e gaúcha de medicina, com participação de acadêmicos de Santa Catarina e Paraná, neste sábado (30) não foi histórico apenas pela amplitude geográfica. Foi especial também pela dimensão científica das palestras apresentadas por médicos notáveis premiados pelas inovações em suas áreas de atuação profissional. As apreciações elogiosas dos presentes na live, manifestadas oralmente ou por mensagens no chat da plataforma Zoom, não economizaram adjetivos como evento enriquecedor, fabuloso, brilhante, impressionante, encantador, fantástico, gratificante, entre outros similares.
Uma frase expressiva de viés poético sintetizou o acontecimento:” foi uma manhã de sábado ensolarada pela luz da ciência e da história da Medicina irradiada pelo compartilhamento da experiência e do conhecimento”.
Ecoou um forte reconhecimento à relevância do aprendizado oferecido pela apresentação de casos e relatos clínicos e exemplos de reinvenção institucional exigida pelos impactos da pandemia da Covid 19. Reafirmou-se a defesa intransigente da postura ética dos profissionais. E louvou-se o legado, ainda em construção, dos médicos pesquisadores.
O presidente da ASRM, acadêmico Luiz Lavinsky, acentuou a grande importância da união e fortalecimento das instituições, secundarizando navegadores solitários. Para ele, devem imperar, nas reuniões deste tipo, o desejo de conhecer vivências alheias e o anseio pela troca de ideias”.
Nas palavras do presidente da Academia de Medicina de São Paulo, José Luiz Gomes do Amaral , o evento constituiu-se em um privilégio valorizado pela presença de confrades e confreiras catarinenses e paranaenses.
De fato, decidiu-se por unanimidade que foi um encontro que deve ser visto ou revisto, em sua íntegra, no youtube disponibilizado pelas duas academias anfitriãs.
As considerações superlativas reverberam a excelência das exposições como, por exemplo, as apresentações dos acadêmicos da ASRM José Camargo e Flávio Kapczinski, que abordaram, respectivamente, atualizações em enfrentamento em patologias em que são referências internacionais: transplante pulmonar e transtorno bipolar.
PRESENTE E FUTURO
Com 32 anos de experiência em cirurgia torácica, o acadêmico rio-grandense Camargo revelou que os transplantes de pulmão na Santa Casa atingiram o impressionante número de 700 intervenções recentemente. Mas alertou que a falta de doadores cadavéricos é apenas uma das barreiras impostas a quem espera por órgãos para sobreviver. Na Flórida,nos Estados Unidos a espera é de 25 dias, no RS é de 10 meses.
Atuando no Brasil e no Canadá, o acadêmico da ASRM e psiquiatra Kapczinski destacou a enxurrada de casos de doenças mentais que aparecerão no período pós pandemia da Covid 19. Ele reforçou que está comprovado que o vírus ingressou no sistema nervoso dos afetados, causando danos severos mesmo em quem teve contaminação leve ou moderada, sem hospitalização. “As consequências vão perdurar ainda por anos e décadas”, vaticinou, definindo a etapa atual das patologias vinculadas ao ataque do coronavírus como “neuroprogressão”. De todo modo, para ele, a ciência sairá fortalecida deste duro embate.
Igualmente saudada foi a apresentação do acadêmico paulista e professor da USP, Paulo Manuel Pego-Fernades, que brindou os participantes com informações acerca dos avanços do mecanismo do ECMO (Extra Corpórea Life Suport), classificando-a como uma ‘terapia de resgate’ cada vez mais empregada na medicina brasileira. No entanto, deve ser usada conforme diagnóstico individualizado, evitando a utilização indiscriminada e desnecessária, incentivada pelas intervenções nos casos de Covid 19.
PRÍNCIPE DOS OBSERVADORES
Graças às palestras dos acadêmicos eméritos catarinenses Nelson Grisard e Cesar Zillig os participantes ficaram bastante apropriados das razões que explicam um resgate histórico que ocorre no estado vizinho, com livros, bustos e estátuas em praças, recuperando a dimensão científica do alemão Fritz Müller, que viveu até os 75 anos, em Itajaí, Blumenau e Florianópolis, no século 19.> Médico que não obteve a titulação por divergências religiosas com a orientação da escola, professor de matemática, naturalista e filósofo, conhecido como Fritz Müller- Desterro (incorporando o nome antigo da capital catarinense) ele realizou experimentações pioneiras e pesquisas avançadas para a sua época, escrevendo cerca de 250 trabalhos científicos que comprovaram as teses de evolução das espécies de Charles Darwin – que o aclamou como O Príncipe dos Observadores.
FORMAÇÃO ÉTICA E HUMANISTA
Antecedido de uma estimulante palestra sobre o panorama da educação da Medicina no Brasil apresentada pelo médico e professor Eugenio Mussak, o debate que seguiu-se sobre o atual ensino médico brasileiro evidenciou a necessidade de mudanças para ajustes aos avanços tecnológicos, novas doenças, novidades farmacológicas e procedimentos diferenciados. Mas principalmente para enfrentar a preocupação crescente com a formação dos profissionais mais jovens, com pouca dedicação à leitura, maior preferência pelo ambiente digital, reduzida humanização e menor predileção pela pesquisa científica.
Com meio século de experiência como professor e diretor da Faculdade de Medicina da UFRGS, o acadêmico gaúcho Waldomiro Manfroi pensa que deveria ser possível mensurar a sinceridade da resposta dos estudantes à seguinte indagação: gostas de gente? Se não gostar, não poderá ser médico. O médico deve ser humanista e ético, propugnou.
Protagonizaram a discussão, ainda, o acadêmico paulista Edmund Bacarat, pró reitor da USP, o médico e professor paranaense Rogério Mulinar, o acadêmico catarinense professor Roberto D’Avila e o presidente da Academia de Medicina de Santa Catarina, Jorge Abi Saab Neto.
Ao final, preponderou, entre todos eles, a ideia de que é preciso um rigoroso sistema de avaliação dos estudantes evitando a formação deficiente e também das escolas que proliferam no país totalizando 443 cursos, alguns com muita precariedade, especialmente nas faculdades de origem iniciativa privada. Resultado desse cenário sem rigor no controle, cerca de 180 mil médicos não realizaram residência médica ou não possuem especialização. Entre os palestrantes, consolidou-se a sugestão de que um exame de proficiência não deve ser realizado apenas no término da faculdade, mas durante o desenvolvimento do estudo, hipoteticamente nos finais dos segundo, quarto e sexto ano de graduação, permitindo a avaliação das cadeiras e do curso.
O presidente da Associação Médica do Rio Grande do Sul, Gerson Junqueira, acha que a Prova AMB/Amrigs, “com 50 anos de expertise” pode ser uma forma de avaliação exitosa com abrangência em todo o país. Atualmente é aplicada no RS, Santa Catarina, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, envolvendo, neste ano, quase 8.000 candidatos.
Também participaram do evento, ilustres convidados como o presidente da Federação Brasileira das Academias de Medicina, Vicente Herculano da Silva, o presidente da Academia Nacional de Medicina, Rubens Belfort de Mattos Jr., o presidente da AMB, dr. Cesar Eduardo Fernandes e o presidente da APM, Jurandir Ribas.
O recém eleito presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Marcos Rovinski, honrou a ASRM com sua assistência no encontro.