Nasceu ele a 1º de maio de 1864, em São Gabriel. Falecido o pai no Paraguai, depois de terminada a guerra, mudou-se a mãe para Pelotas, com toda a família, em janeiro de 1874. Nesta cidade, fez os estudos secundários no colégio do acreditado professor Carlos André Laquintinie. Tirados os exames em Porto Alegre, seguiu para o Rio de Janeiro, em cuja Faculdade de Medicina se matriculou em 1882: cursava o quinto ano, quando, devido a um incidente entre os alunos e o professor da cadeira de Farmácia, se transferiu para a Faculdade da Bahia, onde se doutorou, mediante a apresentação de uma tese a respeito do Câncer. Depois de formado, permaneceu cinco meses na capital do País, onde trabalhou na Policlínica Geral. Partiu em 1888 para Paris e ali frequentou os cursos de Lucas Championnère, Guyon, Terrier, Tarnier e outros. Regressando em 1889, instalou-se em Pelotas para iniciar a sua longa e notável carreira médica.
Pouco depois, em 31 de março de 1890, é nomeado médico do hospital da Santa Casa de Misericórdia. Nesse mesmo ano, monta à sua custa um laboratório de pesquisas clínicas.
A 2 de setembro de 1893, tornou-se ele médico efetivo da Santa Casa e assumiu a direção de várias enfermarias: iniciou-se então vasto campo para a sua atividade benfazeja. A primeira autoclave, por ele encomendada a conhecida e reputada casa francesa foi instalada naquele estabelecimento em 1893. Berchon contribui com mesas cirúrgicas, instrumental, utensílios, bem como com donativos em dinheiro.
A ele se deve também a primeira aplicação do soro anti-diftérico entre nós, por volta de 1894. Adquirira dez tubos no próprio Instituto Pasteur de Paris.
Segundo testemunha o prof. Nogueira Flores, da Faculdade de Porto Alegre, foi o Dr. Berchon quem montou o primeiro aparelho de Raios X em nosso País. Obteve primeiro a radiografia da mão do próprio Dr. Berchon e, depois, outras, mais nítidas, foram conseguidas. O improvisado aparelho passou a ser usado largamente e prestou relevantes serviços às clínicas do hospital
Ele foi quem sugeriu, em 1899, a vinda das Irmãs de Caridade para o Hospital, e teve neste sentido vários entendimentos com os representantes da respectiva ordem. Em 1902, criou na Santa Casa um curso de enfermeiros. Em 1964, aceitou, apesar de seus absorventes deveres profissionais, a provedoria daquela Instituição pia, que exerceu durante dois biênios consecutivos. A 2 de janeiro de 1915, passou a exercer o cargo de Chefe do Serviço Cirúrgico do referido hospital.
Tantos e tantos valiosos serviços receberam, por várias vezes, da Santa Casa, a merecida consagração. Para comemorar o trigésimo aniversário da sua constante e modelar atividade profissional no hospital, a Mesa Administrativa e o Corpo Médico da Santa Casa realizaram uma sessão conjunta e fizeram colocar no átrio do estabelecimento uma placa dedicada ao “ilustre cirurgião brasileiro”. Mais tarde, foi-lhe erigido no jardim interno do edifício um busto de bronze com pedestal de granito. A 22 de outubro, data do seu jubileu profissional, ofereceu-lhe a Santa Casa um álbum de veludo, que tinha na capa um cartão de prata lavrada, cercado de grega de ouro, e continha o extrato das atas referentes ao ilustre Irmão Grande Benfeitor, bem como artigos assinados por todos os componentes da Mesa Administrativa, Conselho Deliberativo e Irmãos daquela instituição de caridade.
“Irradiava entre os seus comandados raras qualidades de trabalho e responsabilidade, dentro de rígidos princípios de uma elevadíssima moral.
“Por elevado senso clínico e por claro e preciso raciocínio, era avesso à intervenção sistemática, sabia orientação que os fatos se encarregavam de comprovar.
“No seu longo tirocínio cirúrgico criou processos puramente seus – muitos deles divulgados com o melhor resultado. Possuía técnica especial, sua, para várias operações; entre outras, uma para cura radical das fístulas vesico-vaginais.
“As suas qualidades de mestre se evidenciaram nos 52 anos de tirocínio cirúrgico no hospital, a que dedicou o melhor de suas energias. Realizava verdadeiras aulas entre seus auxiliares, sobretudo a propósito das mais interessantes intervenções ali feitas. Em todas essas palestras, ia direito e a fundo no assunto, sem pretensões e desinteressados, de todo, de sua pessoa. Nelas confirmava as suas raras qualidades de observador percuciente.
“Não foi, entretanto, um cirurgião somente insigne pela sua maestria, mas pelo dom privilegiado de agremiar e de fazer escola. Assim, ao seu lado foi surgindo uma luzida plêiade de operadores de méritos incontestáveis. E esses, por sua vez, já estão a fazer outros tantos profissionais brilhantes.”
Criou a citada Fundação, destinada a incentivar a instrução e a caridade. Antes de existir esta instituição, já custeara o filantropo o curso fundamental e superior de vários alunos pobres. Os institutos de beneficência e de cultura tinham nele auxílio certo e, muitas vezes, espontâneo, a título de aplauso e incentivo.
Por várias vezes prestou auxílios pecuniários valiosíssimos à Faculdade de Medicina e Farmácia de Pelotas. Na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, instituiu o prêmio D. Amélia Berchon des Essarts, constante de diploma e medalha de ouro e destinado, todos os anos, ao aluno que houvesse feito e concluído o curso com as mais altas notas.
Era multiforme e ativa a sua filantropia. Todos quantos necessitassem de amparo, desde o artista, o médico, o advogado, o jornalista até o mendigo, todos recebiam o auxílio conveniente. Espírito de tão grande coração não poderia ser insensível à influência das belas artes. Apreciava-as e protegia-as.
Com o apoio de Saldanha Marinho, Quintino Bocayuva, Benjamin Constant e Campos Sales, juntamente com os companheiros antes citados, fundou ele o primeiro jornal republicano, denominado República Federal. Na mesma ocasião instalou-se a “Sociedade sul-rio-grandense”. Proclamado o novo regime, o Dr. Berchon fez parte da Comissão Executiva do Partido Republicano de Pelotas. Mais tarde, como fizeram tantos outros, abandonou o partido dominante, e fundou na mesma cidade uma ala do Partido Republicano Democrático, dirigido por Fernando Abbott. Era este uma reação contra o regime ditatorial então vigente no Rio Grande. Mais tarde, em 1922, tomou parte saliente numa outra campanha que sacudiu o Estado e, por fim, o levou à revolução, em 1923. Neste movimento armado, desempenhou um papel de grande relevo e alta responsabilidade. Pacificado o Estado com o Tratado de Pedras Altas, reuniram-se as oposições rio-grandenses, constituindo a Aliança Libertadora. O Dr. Berchon ocupou, a princípio, a presidência do Diretório Municipal de Pelotas e, mais tarde, foi membro do seu Diretório Central. Transformada no Partido Libertador aquela união partidária, continuou ele a fazer parte da sua direção suprema, representando papel saliente em toda a agitada vida política daquela quadra, que se caracterizou por várias revoluções. Formada a Frente Única Rio-grandense para sustentar a candidatura presidencial do Sr. Getúlio Vargas e deflagrada em 1930 a revolução que deveria levá-lo ao governo da Nação, ainda aí coube ao grande cirurgião uma ação notável, principalmente quanto à vitória da insurreição no sul do Estado. Ocupou naquela época, o elevado cargo de membro da Comissão Executiva “Aliança Liberal”. Com esse posto culminante, aproximava-se do término a sua carreira política. Adoentado e, talvez, desiludido, foi-se afastando, sem deixar, porém, de acompanhar com interesse os acontecimentos nacionais.
Foi o político em tudo congruente com o médico. Nunca procurou cargos ou honrarias: na política via apenas o cumprimento de um dever de solidariedade humana.
Tendo-se agravado os seus padecimentos quando se achava no Rio de Janeiro, em fins de 1941, foi ali submetido a uma operação de caráter provisório e regressou a Pelotas em avião especial. Cercado logo pelo carinho de seus amigos e admiradores, que quase se poderiam contar pelos habitantes da cidade, reanimado pelo ambiente acolhedor do pago, ainda sobreviveu alguns meses, graças à sua fortaleza de espírito. Edmundo Berchon era membro da Academia Nacional de Medicina, do Rio de Janeiro; da Sociedade de Medicina, de Porto Alegre; da Associação Francesa de Cirurgia, de Paris; da Sociedade Italiana de Cirurgia, de Roma: do Colégio Americano de Cirurgiões; da Sociedade de Ortopedia, de Roma e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, do Rio de Janeiro.
Foi Presidente da Biblioteca Pública Pelotense; residente e Fundador da Sociedade Agrícola e Pelotas; fundador do Asilo de Mendigos; Presidente o Jockey-Clube (antigo); Sócio Grande-Benfeitor o Asilo de Órfãs S. Benedicto; Diretor da scola de Agronomia Eliseu Maciel; prof. Honorário a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Pelotas; Sócio Benemérito Fundador da Sociedade e Cultura Artística desta cidade e Irmão Grande enfeitor da Santa Casa de Misericórdia.
Faleceu a 14 de março de 1942, aos setenta e oito anos de idade.