Flavio Kroeff Pires nasceu em 15 de outubro de 1917, em Porto Alegre, filho de Mario Vieira Pires e Cecy Kroeff Pires. Cursou o Ginásio Anchieta, onde completou o ensino do 2º grau, matriculando-se para o vestibular na então Faculdade de Medicina de Porto Alegre, hoje UFRGS. Cursou medicina de 1933 a 1939, colando grau aos 22 anos, o mais moço entre os formando
Logo após a formatura, foi trabalhar em uma pequena comunidade do interior do Rio Grande do Sul, na Linha São Salvador no distrito de Cerro Largo. Lá permaneceu por 3 anos como médico generalista. Como se tratava de uma pequena comunidade, é provável que tenha sobrado tempo ao Dr. Flávio para pensar muito no seu futuro profissional. É possível que tenha consolidado lá o seu sonho de contribuir de forma tão marcante para a anestesiologia gaúcha.
Em 1942, estava de volta a Porto Alegre, decidido a ser um anestesiologista.
Mas onde buscar conhecimento científico seguro se no ambiente, na época, a anestesia era feita pelas irmãs ou enfermeiras orientadas pelos cirurgiões, que orientavam o trabalho de quem realizava a anestesia ao mesmo tempo em que se encarregavam da execução do ato cirúrgico em si? É dessa época o aparecimento da velocidade do cirurgião na execução da cirurgia, pois, quanto antes estava o paciente livre do trauma cirúrgico, menor seria o risco da exposição aos agentes anestésico.
No final de 1943 e início de 1944, Flávio Kroeff Pires vai a São Paulo buscar ensinamentos de anestesiologia com Oscar Vasconcellos Ribeiro e Reynaldo Neves de Figueiredo e, no mesmo ano, também passou vários meses no Rio de Janeiro acompanhando o Dr. Mário Castro D’Almeida.
Voltou a Porto Alegre no início de 1945 e iniciou uma atividade que pode ser considerada como febril, tal a intensidade e multiplicidade de tarefas que assume.
Em 1945, organizou o Serviço de Anestesiologia e Reanimação do Pronto Socorro de Porto Alegre. São ajustadas as bases de trabalho através de um contrato de locação de serviços entre a Prefeitura de Porto Alegre e o Dr. Flavio. Esse passou a prestar serviços de anestesiologia em horas definidas e sempre que houvesse necessidade.
Foi Diretor do Serviço de forma consecutiva pelo período de 25 anos. Sendo essa uma posição também de escolha política, vê-se o quanto a liderança científica e associativa do Dr. Flavio despontava entre seus pares, para permanecer ele por um quarto de século à frente da Chefia de um cargo público.
Sendo a Santa Casa de Porto Alegre, o hospital de ensino da Faculdade, a atividade assistencial e de ensino da maioria dos professores era feita na Santa Casa. Havia uma sobreposição de funções, em que o prof. da disciplina era o Chefe do Serviço da Santa Casa. Havia também, na época, a figura do assistente voluntário que mais tarde desapareceu por razões de ordem trabalhista.
O Dr. Flávio teve intensa participação na Santa Casa. Em 6 de agosto de 1945, o Provedor da Santa Casa, Archimedes Fortini, e o Diretor de Clínicas Hospitalares, Isidro Heredia, nomeiam o Dr. Flavio K. Pires para exercer a função de Médico Anestesista na Enfermaria 31, por proposta do Diretor da Enfermaria de Urologia de Homens, Dr. Homero Fleck.
Em 1º de outubro de 1946, o CTA da Faculdade, a pedido do prof. Luis Sarmento Barata, aprova a indicação do Dr. Flavio Kroeff Pires para assistente voluntário da Disciplina de Clínica Urológica.
A 14 de outubro de 1957, o CTA da Faculdade aprova a proposição do prof. Duilio Perrone, indicando o nome do Dr. Flavio Kroeff Pires para Consultor Voluntário de Anestesiologia na 2ª Cadeira de Clínica Cirúrgica.
A 30 de setembro de 1959, o CTA da Faculdade de Medicina aprova a proposição do prof. Rubens Maciel, indicando o nome de Flavio Kroeff Pires, para Consultor de Anestesiologia da Cadeira de Clínica Propedêutica Médica.
Não havia na época a disciplina de anestesiologia, razão pela qual o Dr. Flávio ministrava cursos para divulgação da especialidade, alguns oficializados pela Faculdade e outros através do Centro de Estudos do HPS.
No ano de 1947, entre os dias 6 de fevereiro e 7 de março, ministrou na Faculdade de Medicina, devidamente autorizado pelo Conselho Técnico Administrativo, o “Curso Livre de Anestesiologia”, destinado a alunos das três últimas séries, contando com 13 inscrições.”.
Em 6 de novembro de 1951, o Diretor da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em ofício encaminhado ao prof. Jacy Carneiro Monteiro, baseado em decisão do C.T.A. em sua reunião de 31.10.51, nomeia a banca examinadora para defesa de tese de doutoramento do médico Flavio K. Pires. A banca designada era formada pelos professores Loforte Gonçalves, Gert Einchenberg, João de Almeida Antunes e José Éboli.
O Dr. Flávio doutorou-se na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, no dia 14.11.51.
O título de sua tese foi: Uso de anidrido carbônico de William B. Drapper nos aparelhos de narcose em circuito fechado circular.
Como era esperado e necessário, deu amplo conhecimento do conteúdo de sua tese, distribuindo-a aos seus colegas no Congresso de Anestesiologia realizado no Rio de Janeiro em 1952.
Para dar suporte ao trabalho fora da Santa Casa, fundou em 13.06.50 o Serviço Médico de Anestesia (SMA), associado na época aos Drs. Eugênio Mentz, José Kalil e Sergio Beirão.
Premido pelas dificuldades de importação de equipamentos, Dr. Flávio e seu leal companheiro, Eugênio Mentz, decidem desenvolver um respirador automático.
Em 1952, registram a patente de invenção do respirador automático denominado Alternator, fabricado pela Metalúrgica Aço Técnica.
Em 19 de abril de 1995, o Departamento Nacional de Propriedade Industrial, vinculado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, concede aos Drs. Flavio Kroeff Pires e Eugênio Mentz a Patente de Invenção de número 47.674 do “aparelho para respiração artificial automática mediante insuflação e sucção alternadas com controle de frequência, pressões e proporções entre ambas as fases”.
Esse equipamento foi descrito na Revista Brasileira de Anestesiologia (Vol 13:75-81,1953). Se não prosperou como projeto industrial provavelmente se deve a múltiplos fatores. Entre a concepção de um equipamento, demonstração de sua eficácia, estratégia de fabricação, comercialização e divulgação existem tantas etapas envolvendo tantas pessoas, que só as estruturas tipicamente industriais podem levar adiante projetos desta natureza.
Ao longo de sua vida profissional, foi um homem muito participante nas atividades associativas. Em julho de 1948, foi aceito como Membro da American Society of Anesthesiologists e, em agosto do mesmo ano, recebeu o título de Anesthetist Fellowship da lnternational Research Society.
Homem bem relacionado aqui no Brasil e fora dele na emergente área da anestesiologia, publicou fora trabalhos científicos sobre anestesiologia. Quando, porém, surgia o primeiro número da Revista Brasileira de Anestesiologia, inscrevia seu nome com um trabalho, cujo título era “Algumas considerações acerca da semiologia circulatória durante as intervenções cirúrgicas, do ponto de vista da clínica anestesiológica”.
Na SBA, o Dr. Flávio Pires ocupou praticamente todos os cargos. Foi, no ano de 1952, membro da Comissão para estudo das bases e regulamentos para a expedição do Título de Especialista em Anestesiologia.
Nos anos seguintes, foi segundo Secretário em 1953, Presidente da SBA em 1954, e Membro do Conselho Consultivo da SBA nos anos de 56, 57 e 58. Em 1957, foi Membro da Primeira Comissão Examinadora do Título de Especialista, mas, para dar exemplo aos mais jovens, ele, que já era doutor e especialista em anestesiologia, submeteu-se à prova para obtenção formal do Título de Especialista.
Foi eleito Presidente da SBA no Congresso de Belo Horizonte e tinha como seu colaborador local, o Dr. Paulo Cruz Maya, como seu Segundo Secretário.
Como Presidente da SBA, foi extremamente ativo no momento em que se desenhava uma crise que conseguiu evitar, graças a sua ação imediata. Os documentos publicados no Boletim Anestesia, de número 7 de 1954 são testemunhas de sua determinação. Sua posição no artigo “Em defesa da anestesiologia” marcou muito bem sua posição intransigente na defesa da especialidade em nosso meio, buscando fora do Brasil suporte para sua posição e reconhecimento no Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina.
Dr. Flavio K. Pires foi Sócio fundador e primeiro secretário da Sociedade de Anestesiologia do RS em 1951. Foi seu Presidente em 1952, membro da Comissão de Exames do Departamento em 1969. Membro da Comissão Especial de Regulamentação das resoluções do protocolo em 1970.
Na AMRIGS, foi Membro da Comissão de Finanças no ano de 1957. Quando a AMRIGS publicou seu primeiro número da revista AMRIGS, o Dr. Flávio publicava o artigo “O essencial em Anestesia Geral”.
Afastou-se da atividade precocemente, quando a doença cerebro-vascular lhe atingira impossibilitando a continuidade de uma das mais fecundas vocações médicas do nosso meio.
Flávio Kroeff Pires, antes de deixar a atividade médica, deixou duas manifestações muito importantes para a Anestesiologia do Rio de trabalho no Hospital de Pronto Socorro, documento em que demonstra a mesma determinação profissional que lhe norteou a vida. Nela faz críticas à administração pública na área da saúde, que muitos anos após, continuavam corretas. A segunda carta, datada em 25 de abril de 1975, é encaminhada ao Presidente do Departamento de Anestesiologia da AMRIGS, Luis Alfredo Yung. Nesta, o Dr. Flávio resgata para si, com toda a justiça, a divulgação em nosso meio da anestesiologia como nova especialidade médica bem definida, feita em Sessão da Sociedade de Medicina de Porto Alegre, em 5 de maio de 1945.
Comente à sua felicidade em ver, 30 anos depois, a anestesiologia perfeitamente incorporada no seio das demais especialidades, merecendo o respeito de todos, pela profícua contribuição à Medicina. Abre seu coração para agradecer aos seus mestres, Mario C. de Almeida Filho, Oscar Vasconcellos Ribeiro e Reynaldo Neves de Figueiredo.
Este é um resumo da história deste anestesiologista exemplar, pois foi pioneiro, decano, professor, líder, médico.