Nosso biografado foi desde cedo influenciado por seu pai, técnico em cerveja, um tio pesquisador, autodidata e dedicado aos negócios da fabricação da cerveja. Em 1917, Carlos Ritter doou a sua casa para a Prefeitura com a finalidade de fazer vacinas para o tratamento de doenças humanas e animais, que, mais tarde tornou-se a sede da Faculdade de Medicina de Pelotas, que passou depois a integrar a Universidade Federal de Pelotas.
Frederico Ritter fez os estudos primários em Pelotas, e o secundário como interno do colégio da Sociedade de Auxílios Mútuos mantida pela comunidade alemã de Porto Alegre. Este colégio, que era conhecido como Colégio Alemão, durante a guerra foi obrigado a mudar de nome passando a chamar-se Colégio Farroupilha.
Na adolescência, Ritter sofreu uma grave infeção renal, que o obrigou a permanecer no leito por vários meses e que muito influenciou nos seus hábitos durante toda a vida. Por motivo dessa doença, a sua mãe, já viúva, levou-o para tratamento na Suíça, transferindo-se posteriormente para a Alemanha. Em função da doença, Ritter passou a ter a vida muito regrada. Sempre teve muito cuidado com a alimentação e fazia repouso. Sempre teve interesse pelo estudo das ciências exatas, especialmente a Matemática. Esse interesse persistiu por toda a vida. Em 1945, quando saiu o livro de Wiener sobre “Cibernética”, mandou buscar um exemplar, que leu e anotou cuidadosamente. A Cibernética foi a precursora da Informática. O seu curso de Medicina foi feito na Alemanha. O curso superior foi iniciado na Universidade de Göttingen, transferiu-se para Halle, onde conheceu uma colega, com quem se casou ainda estudante.
Ritter defendeu tese de doutoramento em 1928 em Berlim, após foi convidado por Förster para trabalhar na Universidade de Breslau. Assim, a formação de Ritter como Neurologista foi feita na Universidade de Breslau, sob a orientação do Prof. Förster. Esta cidade pertencia à Alemanha até a Segunda Guerra Mundial, que depois foi anexada à Polônia e passou a chamar-se Vroclaw.
Durante o primeiro terço deste século, o serviço de Förster era considerado a Meca das Ciências Neurológicas do mundo. O seu chefe era homem de invulgar cultura, dedicou-se aos estudos de Neurofisiologia, da Clínica Neurológica e da Neurocirurgia. Neste ambiente de estudo e pesquisa, guiado pelo genial Förster, Ritter fez a sua formação. Ele iniciou em 1928 e saiu em 1933 para voltar ao Brasil. Ritter não pretendia sair de Breslau, porém com a ascensão dos Nazistas ao Governo da Alemanha, começaram a acontecer perseguições, com as quais ele não concordava. Na época, havia uma grande quantidade de judeus com os professores mais destacados nas Universidades alemãs. Entre estes havia muitos amigos de Ritter, que não fazia discriminação religiosa. Ele era evangélico, porém tinha entre seus amigos pessoas de todas as religiões. Dentro da Universidade de Breslau, Ritter assimilou toda a Cultura Neurológica conhecida e, principalmente, a metodologia científica alemã. O que ele apreendeu transparece no principal trabalho que foi sua tese de Livre Docência apresentada à Faculdade de Medicin A dificuldade com a Faculdade de Medicina aparece quando ele se inscreveu para defender Tese de Livre Docência em Neurologia em 1938. Ele realizou um trabalho notável, que honraria qualquer Universidade. Era um trabalho que estaria entre os melhores da Universidade de Breslau se lá tivesse sido apresentada. A sua tese tinha o título: “Neurologia Geral dos Tumores Intracranianos – contribuição ao seu estudo”. A tese foi dedicada a sua mãe: “À minha mãe, veneração e profundo reconhecimento”.
O trabalho se divide em duas partes: a primeira é um profundo estudo da fisiopatologia do edema cerebral, onde apresenta conceitos válidos ainda nos dias de hoje, sessenta anos depois. A segunda parte é o resultado de sua colaboração intensa com o Prof. Elyseu Paglioli, onde estuda os efeitos da compressão exercida pelos tumores sobre as diversas estruturas do encéfalo, deslocando-as e produzindo as hoje bem conhecidas hérnias cisternais. Ritter chamou as hérnias de “cone de pressão”, que é tradução literal da expressão alemã “druck conus”. Aí estão estudadas todas as hérnias até hoje descritas. Há no trabalho belíssimas demonstrações fotográficas de inúmeros casos de necropsias. Ritter sentiu-se ofendido pela escolha da Congregação, de pessoas que não estavam à altura de compreender o seu trabalho. Assim, Ritter ficou definitivamente afastado da Universidade. Realmente, pode-se imaginar o golpe para uma pessoa que estudou Medicina em três Universidades alemãs e que durante mais de quatro anos colaborou com Förster na Universidade de Breslau, ficar impedido de ter vida Universitária. Perdeu mais a Faculdade de Medicina.
Ritter e Paglioli fizeram sólida amizade, que perdurou até a morte de Ritter, em 1960. Dizia-me Paglioli que Ritter foi pessoa muito importante para o desenvolvimento da Neurocirurgia no Brasil. Era culto, estudioso, metódico, muito sério e preocupado com os pacientes. Examinava minuciosamente todos os doentes, fazia observações completas e a evolução até a alta dos pacientes. Fazia o diagnóstico de localização dos tumores pelo exame clínico, que, junto com a ventriculografia, orientava o cirurgião na localização da craniotomia, mas fazia mais ainda, pois observava os sinais vitais do doente no transoperatório.
Ritter e Paglioli tinham temperamentos muito diferentes, podíamos dizer opostos. O primeiro era tranquilo, muito sério e falava pouco e baixo, mas cordial com os amigos, colegas e pacientes, o outro era muito ativo, rápido e falava muito, como um típico italiano. Ritter não se metia em política. Se tivesse feito a docência em 1938, teria concorrido à Cátedra de Neurologia em 1945. Mas a amizade e colaboração desses dois amigos tão diferentes deu muitos frutos. Ajudou na recuperação dos enfermos e permitiu a formação de uma das melhores escolas de Neurocirurgia, com alunos em todo o Brasil.
Frederico Ritter era extremamente modesto e tímido, porém era um estudioso, pertinaz, metódico e muito inteligente. Seus estudos iam muito além da neurologia e da medicina. Interessava-se pela matemática, física e outras ciências. Tinha grande interesse pelas línguas, falava além das línguas latinas o alemão e o inglês. Conhecia profundamente, sendo capaz até de escrever, latim e grego. Possuía especial interesse no estudo da teologia, era metodista. E com frequência, fazia discussões sobre o assunto com pastores. Mas estas também podiam ser realizadas com católicos e padres. Era amigo de Dom Vicente Scherer, Cardeal Arcebispo de Porto Alegre, com quem gostava de conversar sobre teologia.
Ritter faleceu em 1960. Sofreu um enfarte do miocárdio, permanecendo lúcido em sua casa cercado pela família e pelos colegas e amigos que se revezavam no seu atendimento.
Biografia escrita pelo Acadêmico Mário Ferreira Coutinho