Jacintho Godoy Gomes, filho de Pedro José Gomes e de Corina Godoy Gomes, nasceu em Cachoeira do Sul no dia dois de janeiro de 1886. Fez seus estudos iniciais na cidade natal e, os secundários, no Colégio Nossa Senhora da Conceição, dos padres jesuítas, em São Leopoldo. Neste período, fazia um jornal manuscrito e enviava crônicas para a imprensa de Cachoeira. Ingressou na Faculdade de Porto Alegre em 1905 e cursou as três primeiras séries enquanto trabalhava no vespertino Petit Journal. Em 1908 adoeceu gravemente e teve de ser operado. Interrompeu os estudos e voltou para Cachoeira, onde convalesceu e passou a ser secretário da prefeitura. Em 1909 voltou à faculdade em que se formou em 1911, tendo sido o orador da turma e o aluno com melhor classificação. De 1910 a 1913 foi secretário particular do presidente do Estado, doutor Antônio Augusto Borges de Medeiros e assessorou o professor André da Rocha no Tribunal de Justiça. Em 1913 foi nomeado médico legista, cargo em que permaneceu até 1919, sob a chefia do professor João Pitta Pinheiro. Na Santa Casa de Misericórdia, desenvolveu um Serviço de Neurologia na enfermaria do professor Luiz Massot. Em 1919 licenciou-se dos cargos e fez viagem de estudos. Na Universidade de Paris dedicou especial atenção à Neuropsiquiatria como um todo e à Psiquiatria Forense, que lá surgira ligada à Medicina Legal. Teve orientadores como Pierre Marie, Babinski, Dupré e Laignel Lavastine. Também se interessou por outras áreas como Toxicologia, Anatomia Patológica, Traumatologia Forense e Psiquiatria Legal.
Na sua volta, trabalhou por dois anos como médico legista da Chefatura de Polícia. Propôs a criação do Manicômio Judiciário, do qual, em 1924, foi o primeiro diretor, coroando uma luta pelo reconhecimento de psicopatas entre os criminosos, bem como pela instituição de tratamento e internação adequados para eles. Daí surgiu o atual Instituto Psiquiátrico Forense. Criou um posto para atendimento de psicopatas ligado à Assistência Pública da Intendência, precursora do Pronto Socorro Municipal. De 1924 a 1929, foi diretor do Manicômio Judiciário e, em 1925, tornou-se membro do Conselho Penitenciário do Estado. Lutou pela instalação de técnicas e tratamentos usados em Paris, Berlim e Viena, adaptando-os para o nosso meio. Foi considerada como natural sua elevação a diretor do Hospital São Pedro em 1926. Nele, foi diretor por vinte anos, divididos em dois períodos: o primeiro de 1926 a 1932 e o segundo de 1937 a 1951. Quando Getúlio Vargas assumiu a presidência do Estado e Oswaldo Aranha era o secretário do interior, ele fez uma remodelação completa no Hospital São Pedro e que iniciou pelo exame individual dos seiscentos pacientes internados. Todos eles receberam diagnósticos sob critérios científicos e que só tiveram aceitação global no último quartel do século vinte, através da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde e da Sociedade de Psiquiatria Americana. Em 1932, por injunções políticas, foi demitido do cargo e proibido de entrar no hospital. Foi então que estabeleceu serviços de Psiquiatria em hospitais gerais. A Beneficência Portuguesa e o Hospital Alemão (Moinhos de Vento) serviram para esta experiência, considerada moderna nos dias atuais. Em 1937 voltou à direção do hospital e teve oportunidade de por em execução práticas que resultavam de sua especial qualificação para atuar nas áreas da administração, do atendimento e da pesquisa. Ele fazia com que os hospitais em que atuava se comportassem como hospitais universitários, de formação acadêmica. Na sua primeira gestão no São Pedro, propiciou os primeiros tratamentos pela malarioterapia a pacientes portadores de paralisia geral sifilítica. Na época, conseguia-se confirmação clínica, etiológica e de patologia para esses casos, mas não havia o que fazer do ponto de vista de tratamento. Com o surgimento da Penicilina isto mudou. Pela excelência dos métodos de Neurofisiologia existentes e pela ação do doutor Luiz Pinto Ciulla, um dos filhos profissionais diletos do professor Jacintho, houve o desenvolvimento da convulsoterapia, obtida através de medicação ou de choque elétrico e que se aplicava em casos especiais de esquizofrenia e de maníacos. A sintomatologia e a fenomenologia psiquiátricas eram muito bem apreciadas em estudos como os do professor Décio de Souza, que chegou à cátedra da Faculdade de Medicina. O professor Jacintho sabia cercar-se de pessoas capazes. Ante a inexistência de psicotrópicos, antidepressivos e ansiolíticos, buscava, com rigor científico, aplicar técnicas que alcançavam bons resultados no exterior. Assim o Hospital São Pedro, do professor Jacintho Godoy, também foi pioneiro no emprego das lobotomias, desenvolvidas pelo médico português Egas Moniz, ganhador de Prêmio Nobel de Medicina, e que estava sendo feita em todo o mundo. Posteriormente, os resultados foram rediscutidos e não corresponderam ao entusiasmo inicial, mas tornaram mais tranqüilos pacientes intratáveis pelos recursos terapêuticos da época. Há que ter rigor científico, como tinha Godoy, para aplicar técnicas, ainda hoje aceitas, mas que passaram a ser combatidas com um sectarismo que engloba o eletrochoque e até os hospitais especializados para o tratamento de psicopatas. Jacintho Godoy conseguiu transferir a colônia agrícola de São Jerônimo para um local próximo do hospital, onde seria mais fácil evitar que ela se transformasse em depósito de pacientes crônicos. Procurou assegurar reabilitações e instalou unidade laborativa, em que os pacientes participavam de atividades próximas às existentes em suas comunidades. Trabalhar em hortas, padarias, carpintarias e outras atividades enchia o tempo dos pacientes de uma forma mais realista do que desenvolver habilidades artísticas. Jacintho Godoy criou a primeira escola de enfermagem psiquiátrica e procurava melhorar a capacitação das equipes de funcionários, estimulando-os a progredirem. Criou centros de profilaxia mental, precursores dos ambulatórios e do próprio Serviço Aberto do Hospital São Pedro. Nestes, os doutores Mário e Cyro Martins iniciaram a aplicação de Psiquiatria Grupal e outras terapêuticas. O São Pedro foi o primeiro hospital a contar com um serviço de assistência social psiquiátrica, facilitando as relações com os familiares dos pacientes e com toda a sociedade. Instituiu curso de Psiquiatria Infantil, propiciando que doutores como Álvaro Murilo da Silveira, Décio de Souza e Dyonélio Machado chegassem até os professores de escolas primárias e secundárias. Inovou ao reconhecer a importância que hoje é dada ao relacionamento de crianças e adolescentes com não médicos capacitados a identificar alterações e a bem influir sobre eles.
Foi dentro do Hospital São Pedro que surgiu a Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, que deu origem à sociedade e a departamento da atual Associação Médica do Rio Grande do Sul. Essa sociedade teve no professor Jacintho Godoy o seu primeiro presidente. Era seu secretário, o professor Cyro Martin. Ainda no ano de 1938 instituiu memorável concurso para preenchimento de vagas de médicos psiquiatras no Hospital São Pedro. Perante banca examinadora de alto nível, foram aprovados doutores ilustres como Cyro Martins, Luiz Ciulla, Mário Martins e Vítor de Brito Velho.
Durante a segunda grande guerra, o professor Jacintho Godoy multiplicou seus esforços na busca de roupas, alimentos e medicamentos para os doentes mentais. Pelos seus conhecimentos e reconhecida habilidade clínica, granjeou fama como médico perito e atuou em casos não só do nosso meio, mas também da Argentina e do Uruguai. Criou o Sanatório São José, modelar entidade privada para atendimento de pacientes psiquiátricos. Aí, também inovou ao separar, por exemplo, os pacientes agudos, dos crônicos. Dentro de uma agradável área coberta por mata nativa, surgiram pavilhões cujos nomes homenageiam vultos da Psiquiatria: Kräepelin, Déjèrine, Dupré, Pierre Marie e Bourguignon. Nele, seus filhos Jacinto Godoy Filho, psiquiatra, e Luiz Felipe, clínico, exerceram suas atividades e o sucederam. Atualmente, seus netos, Jacinto e Luiz Antônio Saint Pastous Godoy, são os responsáveis pelo funcionamento do São José.
Jacintho Godoy teve atividades que excederam os limites da Medicina e deixou apreciável obra impressa, científica e literária. São mais conhecidos: a tese inaugural, artigos para revistas nacionais e estrangeiras da especialidade, estatutos, regimentos, defesa de uma autonomia administrativa para o Hospital São Pedro e trabalho sobre lesões corporais. Deixou dois livros: Psiquiatria Forense, da Editora Globo, e Psiquiatria no Rio Grande do Sul, pela editora O Cruzeiro do Rio de Janeiro. Há diversos pareceres e citações em livros e revistas da época. Atuou na imprensa, foi poeta e teatrólogo. Deixou três peças teatrais: Cachoeira do Fandango, Quatro Estações e Fingindo Pedra. Esta última foi escrita em parceria com seu amigo Maurício Cardoso e foi representada no Teatro Coliseu em Porto Alegre no ano de sua formatura. Participante dos embates políticos, foi um dos fundadores do jornal O Debate, junto com seus amigos Getúlio Vargas, João Neves da Fontoura, Paim Filho e Maurício Cardoso. Foi colaborador de jornais de Cachoeira do Sul e do Correio do Povo de Porto Alegre. Era um humanista no sentido amplo da palavra e deixou em tudo sua marca otimista, de grande compreensão do homem e de profundo amor e respeito pelos doentes mentais. Disciplinado, foi um grande administrador e buscava a inaceitação do inaceitável.
Casado com Eulália Bicca de Almeida, a querida Dona Laínha, deixou quatro filhos: Jacinto, psiquiatra e que o sucedeu na administração do Sanatório São José; Luiz Felipe, clínico e cardiologista, professor da Faculdade de Medicina; Vanda e Carlinda, filhas a quem se deve o trabalho de conservar a memória e o acervo do pai. Jacintho Godoy faleceu aos setenta e três anos de idade, no dia 15 de outubro de 1959. Deixou impressionante colaboração num setor de conhecimento em que ainda há muito por conhecer.
Entre as homenagens que recebeu, uma foi da sua cidade natal, Cachoeira do Sul, que deu seu nome a uma rua, destacando a sua condição de secretário do município.