Professor Guerra Blessmann, filho de João Blessmann e Maria Julia Guerra Blessmann, nasceu a 10 de setembro de 1891, em Alegrete, RS.
No brilhante discurso que proferiu ao ser recebido como Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina, assim descreve os primeiros passos de sua formação:
“Na casa paterna tivemos a grande felicidade de receber as inesquecíveis lições que concorreram para a formação de nosso caráter e para a nossa educação intelectual, lições ainda hoje conservadas em sagrado escrínio, sempre, nos momentos difíceis, aberto às nossas indagações.”
“Dos mestres de nossa meninice colhemos os sábios ensinamentos que nos tornaram um fervoroso crente no esforço, no trabalho e no estudo”.
Aos 15 anos chegou a hora da escolha de profissão. Por decisão própria, escolheu a medicina e, em 1906, aprovado no Vestibular ingressou na Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Concluído em 1911 o curso e defendida com êxito a tese de doutoramento – Contribuição ao estudo do complemento.
Desde o início de seu curso, acompanhou o serviço do Prof. Carlos Wallau, grande cirurgião de aprimorada técnica.
O Dr. Blessmann frequentou também enfermarias e anfiteatros de anatomia médicocirúrgica e anatomia-patológica. Estudou em especial química biológica – e veio a ocupar a subchefia da sessão de laboratório central das Clínicas, de 1912 a 1922. De 1914 a 1917, foi Prof. contratado de Química Biológica; de 1918 a 1921 conquistou por concurso o cargo de Prof. Substituto de Cirurgia, atingindo finalmente, em 1922, a Cátedra de Cirurgia Geral.
Nesse período foi também, intercaladamente, Membro do Conselho Técnico-Administrativo da Faculdade, chefe da 18ª Enfermaria e Provedor da Santa Casa, no tempo em que esta última desempenhava com supremacia as funções hoje confiadas ao nosso Hospital de Clínicas. Em 1932, foi eleito membro, por um período, do Conselho Federal de Educação.
Foi Diretor da nossa Faculdade de Medicina, no período de 1935 a 1938, demonstrando que era o preferido para suceder a Sarmento Leite. Em períodos de ausência, foi substituído pelo Professor Frederico Guilherme Falk.
Em 1944, o Prof. Blessmann foi reconduzido à direção da Faculdade e nela permaneceu até 1956, quando não aceitou novo mandato. Entre as muitas iniciativas levadas a cabo nos dois períodos cabe destacar:
a) O acréscimo ao prédio, de uma ala de três pavimentos, onde foram instaladas a biblioteca, o setor de Medicina Legal, os laboratórios de Física, Farmacologia e Parasitologia e a sede do Centro Acadêmico Sarmento Leite (CASL),
b) A criação de uma Escola de Enfermagem, à qual o Prof. Guerra Blessmann muito favoreceu com a sua autoridade e o seu prestígio de administrador e grande cirurgião. Em 4 de dezembro de 1950 foi fundada a Escola, para cuja organização foram convidadas as duas eminentes professoras Maria de Lourdes e Olga Verderese, formadas nos bons centros brasileiros de Enfermagem e aperfeiçoadas nos Estados Unidos. Era muito grande a falta de enfermeiras nesse tempo, e as primeiras turmas de formadas pela nova escola foram quase totalmente absorvidas pelo magistério.
Em 1o de janeiro de 1937, logo após seu primeiro desempenho como professor, Guerra Blessmann viajou para a Europa, freqüentou os serviços dos professores A.W. Mayer; (Westend-Krankenhaus); Liechtenber e Lubarsch (anatomia patológica) “Charité”, em Berlim. Em Paris igualmente acompanhou e tomou cursos de aperfeiçoamento nos serviços de Legueu, Gregoire e Pauchet, e em Viena freqüentou o serviço do Prof. Finsterer. Em março de 1952, em viagem de cinco meses pela América do Norte, chegou a vez de seu contato com a medicina americana, não só pelos progressos da cirurgia como pela verificação da estrutura e funcionamento do ensino.
Em 1954 teve a oportunidade de representar nossa faculdade no seminário sobre o Ensino de Medicina Preventiva, realizado em Santiago do Chile. Esses contatos fizeram-no membro do Colégio Internacional de Cirurgiões, da Société Internacionale de Chirurgie e de mais oito sociedades científicas.
Em 1935 foi eleito deputado à Assembleia Constituinte Estadual, já numa época de efetiva realização do voto popular. Num órgão deliberativo em que predominavam juristas, industriais e políticos, foi eleito presidente e isso lhe permitiu uma oportunidade de concorrer para a derrota da liberdade profissional no RS. Idêntica atuação teve ele em congressos sindicalistas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.
A ideologia e atuação do Prof. Guerra Blessmann no que diz respeito ao positivismo merece um exame mais demorado.
Em 2 de janeiro de 1960, o Prof. Guerra Blessmann foi empossado como Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina, sendo saudado pelo Prof. Jayme Poggi de Figueiredo, em sessão que contou com grande número de acadêmicos e mais o representante do Ministro da Saúde, o Presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, o Embaixador João Neves da Fontoura, o Ministro Rubem Rosa e o Prof. José Hilário, representante da Faculdade de Medicina de Porto Alegre e da Sociedade Médica do RS.
A Faculdade de Medicina de Porto Alegre em sessão extraordinária elegeu-o Professor Emérito, o que não faz senão excepcionalmente.
A respeito de sua aposentadoria, disse Guerra Blessmann: “com cinco décadas de trato com a medicina, julguei ser meu dever ceder o lugar aos outros mais moços, nessa incessante corrida de revezamento que é a vida de uma classe ou de uma instituição. Como médico e professor fiz o que foi possível; como qualquer clínico lutei inúmeras vezes pela vida de centenas de pacientes; como mestre pretendi desenvolver a atividade na orientação e instrução dos estudantes, com o intuito de torná-los úteis ao meio e à sociedade, onde irão desempenhar a profissão que haviam escolhido.
Inúmeras recordações, alegrias e tristezas, satisfações e angústias são conhecidas e decantadas por todos que tiveram a ventura de praticá-la.
O rápido progresso científico, a grande evolução na técnica são por demais vossos conhecidos.
Acresce ainda que, para nós, já há mais de um decênio afastados da freqüência às salas de operação, a cirurgia já ia ficando relegada a um segundo plano, se bem que merecedora de nossa profunda simpatia e admiração. Com ela e por ela fizemos tudo que nos foi possível.
Quando, há cerca de quinze anos nos foi exigido que mais ativamente nos empenhássemos com os problemas da educação médica e do exercício profissional, fomos obrigados a encerrar nossa atividade cirúrgica, sem dúvida exigente de muito esforço e grande dedicação. Assim, pareceu-nos mais justo que vos falasse das novas preocupações.”
Começa explicando as razões pelas quais o Rio Grande do Sul e, em especial sua classe médica, desejavam fundar uma faculdade de medicina:
“Conforme declara a ata de fundação da Faculdade de Porto Alegre em 25 de julho de 1898, a dispendiosa manutenção dos estudantes na Bahia ou no Rio de Janeiro, o estado sanitário pouco atraente da Capital Federal e a luta, que julgara de seu dever, em que se empenhava a classe médica rio-grandense contra o esdrúxulo princípio da Constituição do Estado, foram os principais fatores que despertaram e incentivaram a fundação de uma Faculdade de Medicina de Porto Alegre”.