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Cadeira 46

Maria Clara Mariano da Rocha

Filha do doutor José Mariano da Rocha e de Maria Clara Marques Cunha da Rocha, nasceu em Santa Maria no dia vinte e três de abril de 1902. Iniciou seus estudos primários no Colégio Sant’Ana na cidade ferroviária e os concluiu em Porto Alegre, no Colégio Bom Conselho. O curso secundário foi iniciado no Bom Conselho e concluído, após interrupção, no ginásio Estadual de Santa Maria. A interrupção nos estudos representou parte das alterações ocorridas na vida de Maria Clara quando foi assassinado em emboscada seu noivo Júlio Rafael de Aragão Bozano em dezembro de 1924, combatendo a Coluna Prestes. O jovem advogado fora enviado por Borges de Medeiros para assumir a intendência de Santa Maria e seu desempenho nas revoluções e na administração o credenciavam para voos mais altos. A jovem alegre e expansiva, que pintava e recebia aulas de piano e de violino nas horas de lazer, fez-se taciturna e entrou em depressão. Foi levada para a estância pelos pais e lá ficou sem obter melhora, nem mesmo quando concordou em viajar pela Europa durante seis meses. Apenas quando disse ao pai que resolvera ser médica é que iniciou a recuperação. Completou o curso secundário no Colégio Santa Maria, em que prestou exames por disciplinas no sistema denominado preparatórios vagos. Em 1930 foi aprovada no vestibular para a Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Se iniciou o curso com algumas incertezas quanto à vocação de ser médica, passou a entusiasmar-se com a profissão a medida que se aproximava a colação de grau em 1935. Ótima aluna, foi agraciada com o prêmio Carlos Chagas ao final do curso. Defendeu tese de doutorado com o título: Dermatite Fitogênica. Hipersensibilidade às Aroeiras. A tese foi aprovada com distinção. Durante o curso, morou no internato do Colégio Bom Conselho, pois seus pais continuavam a residir em Santa Maria.

Decidida a ser pediatra e professora, preparou-se para atingir essas metas. Fez viagens de estudos a São Paulo e Rio de Janeiro nos anos de 1937 e 1938, tendo frequentado os cursos dos professores Pasteur Vallery Rodot e Emile Sergent. Em Buenos Aires, fez o curso oficial da Faculdade de Ciências Médicas de 1940 a 1941. Ainda na capital Argentina, frequentou em 1943 o Instituto de Pediatria y Puericultura do professor Juan Garrahan, o Curso de Neurologia Infantil do professor Florêncio Escardó e o de Puericultura y Dietética Infantil com os professores Pedro de Elizalde e Mario de Carril. Apresentou trabalho em colaboração com os professores Florêncio Ygartúa e Manoel G. Maria no Segundo Congresso Pan-Americano de Endocrinologia em março de 1941 na cidade de Montevidéo. Seus primeiros trabalhos científicos versaram sobre temas variados na pediatria: bócio colóide familiar com mixedema e enfermidade de Calvé-Legg-Perthes, sífilis congênita virulenta, espina bífida com hidrocefalia, escrófula e carência de vitamina C. Iniciou-se em pequena Enfermaria de Pediatria, que existia junto ao Hospital São Francisco. Sua primeira ação docente ocorreu em outubro de 1937 quando foi contratada como auxiliar de ensino na disciplina de Microbiologia na Faculdade de Farmácia da Universidade do Rio Grande do Sul. Ficou lá até novembro de 1938. Em abril de 1942 foi contratada como assistente de ensino na disciplina de Clínica Pediátrica Médica e Higiene Infantil e passou a dedicar-se integralmente aos pobres da Santa Casa na enfermaria do terceiro andar do novo prédio. Em junho de 1943 submeteu-se a concurso para docente livre da disciplina citada e foi aprovada com brilho. Em várias oportunidades os alunos reconheceram seus esforços ao homenageá-la, ano após ano nas festas de formatura. Em 1950 os formandos romperam com a tradição de só convidarem professores catedráticos para paraninfos e, após inúmeras reuniões, elegeram Maria Clara Mariano da Rocha, a primeira mulher e a primeira livre docente a receber tal honraria na Faculdade de Medicina da URGS. A partir de 1952, por diversas vezes substituiu o professor Raul Moreira, catedrático de Clínica Pediátrica e Higiene Infantil. Em 1953 afastou-se para fazer curso nos Estados Unidos e que foi complementado com viagem à Europa onde visitou muitos hospitais. Respondeu pela cadeira quando da aposentadoria do professor Raul Moreira e inscreveu-se para concorrer à cátedra vaga. Participou da prova escrita, mas sentiu-se mal ao final da mesma e foi internada com infarto agudo do miocárdio. Face à insistência em continuar participando do concurso, a direção da Faculdade designou uma junta médica, que após examinar a professora optou pelo seu afastamento do mesmo. Nessa ocasião, ela ficou muito abalada e contou com o apoio dos assistentes e dos alunos. Tinha 59 anos de idade e sonhava em ocupar a cátedra para a qual tanto se preparara. Como a estivesse ocupando interinamente, tentou voltar às atividades, mas apenas em outubro de 1963 foi considerada apta para assumi-las. Foi designada para ocupar a cátedra tendo em vista o falecimento do professor Décio Martins Costa. Em 1967, com 65 anos de idade teria de ser aposentada compulsoriamente. Mas havia o precedente histórico do professor Martinho da Rocha na Universidade Federal do Rio de Janeiro e a coletividade pediátrica encaminhou abaixo assinado à Congregação da Faculdade que decidiu pelo prolongamento da atividade até os setenta anos, desde que ela continuasse apta para tal. Em dezembro de 1968 foi efetivada como professora catedrática do Departamento de Pediatria e Puericultura, nova designação do serviço. Por décadas, desde os anos sessenta, acumulava às atividades de ensino, a direção do Berçário da Maternidade Mário Totta da Santa Casa de Misericórdia. Continuou em plena atividade na cátedra e no Serviço Professor Olinto de Oliveira até sua aposentadoria em 1972. Cercada do respeito e do carinho de antigos assistentes e alunos, faleceu no dia dois de maio de 1983.