Raul Pilla nasceu em Porto Alegre, no dia 20 de janeiro de 1892, primeiro filho de Francesco Giusepe Pilla, italiano natural de Treviso e de Jovita Zenari Pilla.
Iniciou seus estudos com uma professora particular, em uma escola perto de sua casa, à Av. Independência. Logo após, foi estudar no Ginásio do Rio Grande, hoje Colégio Júlio de Castilhos. Ainda, como estudante, com dezessete anos, iniciou a fazer política, sendo, na ocasião, secretário do Partido Federalista- Partido Maragato. Já naquela época, adolescente e estudante iniciava seus artigos sobre política para o jornal Correio do Povo. É nesse período de estudante de ginásio que, influenciado por seu professor de História, Apeles Porto Alegre, o mesmo passa a se interessar pelo parlamentarismo.
Além da influência do professor do curso secundário, Apeles Porto Alegre, Pilla também sentiu o peso do grande prestígio, à época, do Conselheiro Gaspar da Silveira Martins que, segundo ele, era um homem que jamais transigiu com seus princípios, tendo recusado a tudo e vindo a morrer no exílio. Para Pilla, Gaspar da Silveira Martins era um exemplo de grande dignidade e firmeza e mais, um homem de extrema fidelidade à causa parlamentarista.
Diplomou-se médico, pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre no ano de 1916, então com 24 anos. Na ocasião, para o doutoramento, defendeu a tese “O Som no Tratamento da Surdez”, aprovada com distinção. Dedicou-se ao estudo da Fisiologia e publicou diversos trabalhos, sendo os mais conhecidos “Da Correlação das Funções”, “Função da Linguagem e Concepção Fisiológica da Medicina”. No ano de 1917, desempenhou as funções de ajudante preparador da Patologia Geral, no entanto, através de concurso, obteve o cargo de preparador da cadeira de Fisiologia e, logo após, o cargo de Professor Interino. No ano de 1924, fez concurso para professor “Livre Docente” e, no ano de 1926, após memoráveis provas, conquistou a cátedra da Fisiologia, alcançando o título, do qual mais sentia orgulho, o de [Mestre. Aliás, ele certa vez, ao responder a discurso de Brito Velho, disse: “Ensinar era realmente a minha vocação. Ensinava e ensinando aprendia, para voltar a ensinar… Mais adiante, na mesma ocasião falou ainda: “É que eu,em toda a minha vida, tenho sido uma coisa só: professor. Mais professor,disse eu certa vez. Professor na cátedra, professor no jornalismo, professor na vida pública. Educar foi sempre o meu pensamento dominante. Não que eu me julgasse melhor do que os outros. Entendia, porém, que tudo que soubesse ou pudesse, deveria pôr à disposição dos outros, principalmente dos mais jovens.
Naquela época, como faria em toda a sua vida, Pilla esteve dividido entre o magistério e a política e, em certa ocasião, falou “que haverá de mais adequado a um professor que o exercício da atividade política?” Repartindo a sua vida entre essas atividades, sempre o fez com extrema dedicação como revelava seu irmão Ernani em entrevista gravada no ano de 1979: “Sempre no gabinete estudando…Ou se preparando para algum concurso…e para as aulas…ou fazendo experiências no Laboratório de Fisiologia.”
No ano de 1923 a oposição gaúcha se levantou contra o resultado da eleição de Borges de Medeiros para o quinto mandato consecutivo ao Governo do Estado. Entre os dissidentes, estava o Pilla organizando a Coligação entre o Partido Federalista e a dissidência do Partido Republicano sob o nome de Aliança Libertadora, que mais tarde,em 1928, iria se transformar no Partido Libertador. Em 1930, outubro, participou da Frente Única que levou Getúlio Vargas ao poder, porém, no ano de 1932, Pilla esteve ao lado da Revolução Constitucionalista de São Paulo, posição que o levou ao exílio na Argentina. De volta ao Rio Grande, no ano de 1934, foi convidado para paraninfo da turma de formandos da Faculdade de Medicina e, no discurso na solenidade de formatura dizia “O sacerdote e o méisso: confundiram-se na mesma pessoa. Foi somente depois de transcorridos milênios que a cura da alma se diferenciou da cura do corpo e os caminhos do céu se separaram dos caminhos da terra. Voltaria a ser paraninfo no ano de 1944.
Já no ano 1935, é convidado e aceita o cargo de Secretário da Agricultura do Rio Grande do Sul, no qual esteve por não mais de sete meses e renunciou. Volta à Assembleia Legislativa e reassume sua cadeira de Deputado Estadual e líder da bancada do Partido Libertador. Em 1937, após uma crise na Assembleia Legislativa Pilla é conduzido à presidência.
Um mês após a posse na presidência da Assembleia, instaurou-se no país a ditadura getuliana através do Estado Novo que dissolveu o poder legislativo. Durante oito anos, a atividade política ficou reduzida a zero, e nesse tempo Pilla repartiu sua atividade entre a cátedra e o jornalismo, uma vez que continuou escrevendo o “Microscópio” para o Correio do Povo. Nessa última atividade, sobressaiu de forma marcante seu poder de síntese. Merece destaque o fato de que todo dia, com a desculpa de exercitar-se, ele próprio levava os exemplares ao jornal em mãos e a pé. Escrevia também para o Diário de Noticias, jornal que juntamente com Leonardo Truda havia ajudado a fundar lá pelo ano de 1925, e escreveu sempre para o “Estado do Rio Grande”, órgão oficial do Partido Libertador. Escrevia, ainda, para O Globo do Rio de Janeiro ou para revistas especializadas como o Panteão Médico Rio-Grandense.
Durante os oito anos da ditadura getuliana, Pilla dedicou-se quase unicamente a suas atividades na Faculdade de Medicina, conservando-se, no entanto, um homem bem informado. No verão de 1945, na praia da Cidreira, onde o professor veraneava, quando de uma visita que ele fazia a Lydio Vieira da Motta, pai do acadêmico Ubirajara da Motta, também maragato, confidenciou a ele que a ditadura estava chegando ao fim, as oposições ao regime já tinham um candidato e que esse seria um militar. Naquele mesmo ano, seria deflagrada a campanha sucessória que culminaria com a eleição de dois de dezembro e a redemocratização do país. Pilla, que nunca fez campanha política pessoal, foi eleito deputado federal pelo Partido Libertador, quando a esmagadora maioria foi eleita pelo partido da situação, o Partido Social Democrático, que também elegeu o General Eurico Gaspar Dutra presidente da República.
Como constituinte em 1946, Pilla apresentou o projeto do regime de gabinete e, em todas as legislaturas de que participou, ou seja, 1950, 54, 58 e 62 reapresentou a emenda parlamentarista e ficou conhecido no congresso pela sua obstinada luta contra o regime presidencialista. Ainda nesse mesmo ano, na Câmara Federal em aparte pôde dizer: “ Democracia não é predominância da maioria. Não é ditadura da maioria. Democracia, pelo contrário, é sempre uma conciliação entre maioria e minoria.”
No ano de 1948, em uma sessão do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, reencontrou Esther Olinto de Oliveira, que fora sua namorada ainda em Porto Alegre no tempo de estudante. Ela, agora viúva e ele solteiro, deste encontro resultou o casamento. A união perduraria até 1965 quando Esther faleceu.
Sua convicção democrática ficou muito evidente no episódio, ocorrido em 1947, por ocasião da cassação do Partido Comunista do Brasil; Pilla, o grande inimigo de todas as ditaduras, votou contra a cassação.
No ano de 1962, no mês de janeiro, aos vinte dias, o Professor Raul Pilla completou setenta anos e, por imposição legal, teve de aposentar-se como catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O Professor Raul Pilla havia iniciado sua atividade como professor em 1917 e, desde 1926, era o professor catedrático. Esteve afastado a partir de 1946 quando assumiu uma cadeira na Câmara Federal. Merece destaque o fato de que poderia ter-se aposentado por tempo de serviço, porém nunca admitiu essa hipótese, para não ter a adição da aposentadoria ao salário de deputado. Naquela ocasião, recebeu uma significativa homenagem em que teve oportunidade de dar a última aula na cadeira de Fisiologia, constando da comissão organizadora da homenagem quatro patronos de nossa Academia, a saber: Décio Martins Costa, Ivo Corrêa Meyer, Luiz F Guerra Blesmann e Gabino Fonseca. A essa homenagem estiveram associados os mais diferentes setores da sociedade, destacando-se o presidente do Conselho de Ministros, Tancredo Neves, pois à época vivíamos o pequeno período de regime parlamentarista. Houve uma missa na Capela da Santa Casa, pela manhã. Na Faculdade, a aula foi presidida, no Instituto de Fisiologia, pelo Prof. Peri Riet Corrêa que falou da homenagem ao grande mestre que iria dar sua última aula. Versou a aula sobre “Funções da Linguagem”, rememorando a tese defendida em 1917. Logo após houve a inauguração de um retrato do professor Pilla, obra de Aldo Malagoli. Na mesma ocasião, aconteceu uma solenidade no Salão Nobre da Faculdade de Medicina, quando se pode ouvir a saudação de Carlos de Brito Velho que destacou a palavra de Pascal “Não é a vitória que nos atrai, mas a luta em prol de uma ideia”. É nesse momento que o professor fala sobre sua aposentadoria compulsória e explica o fato de não ter se aposentado por tempo de serviço “Em verdade eu o poderia ter feito. E por que não o fiz? Vou responder como um ato de confissão. Não o fiz porque me custava romper voluntariamente os liames com a Faculdade, onde estudara, onde tantos anos e tão ativamente professara, e aonde a qualquer momento eu poderia voltar, quer pelo termo natural de meu mandato, quer por uma dessas vicissitudes tão frequentes na vida política latino –americana. Mas, além deste, outro motivo há, que eu não sei se diga pessoal ou impessoal. Se eu me aposentasse aos trinta e cinco anos de função letiva, estando a exercer mandato parlamentar, colheria eu os proventos da aposentadoria juntamente com o subsídio de deputado. Seria perfeitamente legal e regular, tão regular e legal, como a situação do aposentado que se candidata e é eleito. Mas a mim repugnava provocar, pelo requerimento da aposentadoria, tão vantajosa posição. Dobrada era a minha responsabilidade: a de professor e a de político. O professor não deveria trair ao político, nem o político ao professor.”
À noite do mesmo dia, no Teatro São Pedro, era promovida uma significativa homenagem com a presença de figuras exponenciais dos meios políticos, intelectuais e administrativos do País, do Estado e da sociedade rio-grandense.
No mesmo ano de 1965, viria a falecer a esposa Esther, o que produziu um forte abalo no Professor Pilla. No ano de 1966, Pilla decide encerrar sua carreira política, não voltando a concorrer à Câmara Federal.
Após esse período, Pilla recolheu-se ao seu apartamento na Av. Independência, no mesmo local onde seu pai teve um armazém. No dia sete de junho de 1973, havia de madrugada caído da cama e permanecido no chão frio. Só mais tarde foi socorrido e levado ao Hospital Fêmina, onde veio a falecer. A notícia de sua morte logo se espalhou pela cidade e a família rejeitou os oferecimentos para que o velório fosse realizado no Palácio Piratini, Palácio Farroupilha ou na Faculdade de Medicina. O corpo de Pilla foi velado no cemitério São Miguel e Almas.
Difícil, realmente muito difícil, escrever sobre Prof. Raul Pilla sem esquecer de destacar fatos ou depoimentos, que são inúmeros, os quais procuram retratar a dimensão moral, cívica e cultural desse patrono da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina.