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A fumaça da maconha para esconder a avidez do capital

Antonio Geraldo da Silva*
Sérgio de Paula Ramos**


Quando Colombo chegou na América deparou-se com o hábito indígena de fumar e o levou para a Europa. Tal hábito, já no século 16, estava presente entre os europeus, mas de maneira artesanal e sem que seu uso gerasse problemas médicos prevalentes. Os mesmos foram aparecer três séculos depois, como subproduto da revolução industrial. De fato, foi quando o cigarro deixou de ser bem manufaturado para ser industrializado, na passagem do século 19 para o 20, é que iniciou o tabagismo, como o conhecemos hoje, com seu pesado preço pessoal e social pago por todos há pelo menos 100 anos. Para que tal dano ocorresse uma massiva campanha publicitária fez com que acreditássemos que o fumo tinha poderes medicinais (chegou-se a sugerir que fazia bem para bronquite), que conferia status e vigor sexual ao usuário!

Graças, no entanto, a valorosa luta, iniciada pelas agremiações médicas, é que no Brasil conseguimos reduzir os índices de tabagismo, que nos anos 60 beiravam os 48% da população adulta para os atuais 12%. Com tais números de sucesso, o case do tabagismo brasileiro se transformou num bom exemplo para o mundo. E o que aqui foi feito?

Demos informação séria para a sociedade, limitamos seu acesso e fundamentalmente proibimos sua propaganda. A sociedade ganhou com isso, mas certamente interesses econômicos foram contrariados.

O que está ocorrendo agora com a maconha?

Uma verdadeira orquestração internacional a favor de sua legalização. Trata-se de um negócio que movimenta no mundo 148 bilhões de dólares/ano. Se legalizada, como ocorreu, por exemplo, em Portugal, seu consumo dobrará, chegando a quase 300 bilhões/ano, valor aproximado da atual receita da indústria fumageira. É muito dinheiro em jogo, cobiçado por conglomerados industriais interessados e não surpreende a ninguém que importantes empresas de comunicação terem se declarado a favor da legalização e de que outras empresas, ainda que não o tenham feito, mantenham uma linha editorial francamente favorável. Empresas que perderam as polpudas verbas publicitárias da indústria do tabaco e que podem estar vendo na maconha nova oportunidade de lucro.

No esforço da aprovação, a qualquer custo, planejam confundir a opinião pública com inverdades e imprecisões conceituais que repetidas ad nausem transitam como se verdades definitivas fossem. São exemplos a “maconha medicinal” e a “guerra às drogas fracassou”.

Não existe maconha medicinal. O que existe é que duas substâncias isoladas da planta e transformadas em medicações podem ser úteis em algumas raras condições médicas. Por outro lado, a assim chamada “guerra às drogas” foi capaz de manter os índices de consumo de drogas em patamares que flutuaram entre 3,5 e 5% da população mundial e que nos últimos anos, ao menos nos EUA e Europa mostram-se levemente declinantes. Tal política, no Brasil, nunca foi devidamente implementada, pois além da restrição ao acesso, o mais importante teria sido prevenção. Proibir a propaganda de álcool, a droga de entrada do brasileiro e trabalhar pesadamente em escolas com foco prevencionista teria sido o mais importante.

Eu não vim aqui para explicar. Vim para confundir, dizia o Chacrinha. O poder econômico, com a balela da maconha medicinal e do fracasso da guerra às drogas sem que prevenção jamais houvesse sido tentado, não quer confundir, quer esconder com a fumaça da maconha sua avidez pelo lucro. Mesmo custando a saúde da população.

*Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.
**Membro da Comissão de Dependência Química da ABP