Embora tenham sempre existido, as doenças raras vêm ganhando notoriedade crescente nos últimos anos, em função de vários fatores.
Entre eles, estão os avanços notáveis na genética (80% delas são de origem genética), que têm permitido que sejam mais bem conhecidas e entendidas, com novas técnicas para seu diagnóstico rápido e preciso, além de inúmeros tratamentos inovadores sendo desenvolvidos para os pacientes afetados.
Adicionalmente, os movimentos da sociedade no sentido de incluir de modo mais assertivo as pessoas com deficiências têm contribuído para dar mais visibilidade a essas condições, que muitas vezes têm repercussões importantes na saúde do indivíduo afetado.
Embora sejam individualmente raras (no Brasil, uma doença é considerada rara quando afeta não mais do que um indivíduo em cada 65.000 pessoas, ou cerca de 1 em 1.500), como são muitas (estima-se que existam entre 7.000 e 8.000 doenças raras), em seu conjunto afetam cerca de 6% da população (12 milhões de brasileiros).
O Brasil vem avançando de modo consistente em relação a políticas públicas na área de doenças raras. Em 2014, foi publicada a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras e, desde 2016, o Ministério da Saúde vem designando Serviços de Referência em Doenças Raras em todo o país. Em 2021, foi promulgada uma lei, de iniciativa do Congresso, que estabelece a ampliação do Programa Nacional de Triagem Neonatal (teste do pezinho) de seis para cerca de 60 doenças — lei ainda pendente de implementação efetiva. Em 2023, foi criada, no âmbito do Ministério da Saúde, a Coordenadoria-Geral das Doenças Raras, com o objetivo de fomentar e harmonizar as ações na área.
Na arena internacional, um fato importante a ser destacado foi o lançamento, em fevereiro de 2025, da Commission on Rare Diseases, iniciativa da ONG Rare Diseases International e da revista The Lancet. Essa comissão, formada para traçar estratégias para abordar esse grupo de doenças, se debruçará sobre os aspectos relacionados a direitos humanos, profissionais envolvidos, cuidados de saúde, trajetória clínica e produção de dados e métricas, com o objetivo principal de dar mais visibilidade às doenças raras.
Apesar desses avanços, ainda há muitos desafios a vencer. Um deles é o acesso dos pacientes aos serviços especializados, aos testes diagnósticos e aos tratamentos disponíveis. Em relação a este último ponto, a limitação estabelecida recentemente à opção de obter tratamentos por meio de ações judiciais é preocupante, tendo em vista a demora na incorporação de novas tecnologias no âmbito do SUS, aliada ao fato de que muitas dessas doenças são progressivas e levam a danos irreversíveis quando não tratadas a tempo.
Por outro lado, iniciativas para aumentar o acesso dos pacientes ao atendimento especializado têm surgido, como é o exemplo da Casa dos Raros – Centro de Atenção Integral e Treinamento em Doenças Raras. Essa instituição filantrópica, sediada em Porto Alegre, é o primeiro centro da América Latina com atendimento multiprofissional, diagnóstico laboratorial, pesquisa e ensino dedicados exclusivamente às doenças raras.
No Dia Mundial das Doenças Raras (celebrado no último dia do mês de fevereiro), a Casa dos Raros completa seu segundo aniversário, já contando com meia centena de colaboradores e comemorando mais de 700 pacientes atendidos — com um tempo médio recorde de 84 dias entre o primeiro atendimento e o diagnóstico — graças ao uso intensivo de telemedicina, aos métodos diagnósticos laboratoriais avançados e a uma equipe multiprofissional especializada.
Para finalizar, registramos que o ano de 2025 começa com um avanço importante: uma proposta de resolução sobre doenças raras, copatrocinada pelo Brasil, foi aprovada para ser apresentada à Assembleia Mundial da Saúde, em maio. Depois de aprovada, deverá pautar recomendações da Organização Mundial da Saúde, estimulando ações mais incisivas na área de doenças raras pelos Ministérios da Saúde dos países-membros.
Artigo por: Acadêmico Roberto Giugliani
Professor Titular da UFRGS, Médico Geneticista do HCPA, Head de Doenças Raras da Casa Genômica, Diretor Executivo da Casa dos Raros e Membro Titular da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina