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O Conselheiro e o Maestro

Luiz Fernando Jobim*


Nunca se encontraram, mas certamente existiria um profundo respeito e orgulho mútuo. Sei disso, porque o Tom conhecia muito da vida do Conselheiro e inclusive achava-se parecido com o autor das teses: “A Hydrophobia” “As Hydropsias em Geral”.

Tom lembrava que os Jobims eram de origem francesa e que o Cruz Jobim estudara na França! Aliás, chegou à Paris com vinte anos e tornou-se espectador atento dos acontecimentos da época. Sedimentou sua personalidade intelectual e científica, tornando-se médico. Sua preocupação com nossas condições sanitárias definiu o tema de sua tese de doutoramento: “Dissertation sur la Vaccine”. Nela indicaria as providências a serem tomadas em face aos terríveis surtos epidêmicos provocados pela varíola.

Em Paris, Cruz Jobim assistia reuniões da Academia Francesa de Medicina. Trouxe de lá a idéia de fundar uma associação médica nos moldes da parisiense e foi o fundador da Academia Nacional de Medicina. A semelhança dos estatutos das duas instituições demonstra claramente essa influência. A idéia solidificou-se pela amizade com os médicos franceses radicados no Brasil, De-Simoni, Xavier Sigaud e Jean Maurice.

Cruz Jobim conquistara a cadeira de Medicina Legal em 1831, tornando-se o fundador do ensino dessa disciplina no Rio de Janeiro. Diminuiu de imediato, a grande quantidade de cães vadios soltos nas ruas do Rio.

Esse ato não seria do agrado do Maestro, pois ele apreciava esses animais. Confidenciou-me que, quando o Vinicius era vivo, eles costumavam, após terminar a noitada, saírem para o que chamavam de “seguir cachorro”.

– “Você sabe que saíamos de automóvel, mais para lá do que para cá, seguindo um cachorro vadio. Invariavelmente ele nos levava para praia”.

Um dos atos que Tom mais gostava de repetir era a visita de Dom Pedro II ao Hospital Santa Casa, onde, a pedido de Cruz Jobim, deparou-se com o deplorável espetáculo do tratamento e alojamento dos doentes mentais.

-“Oh, que desgraça! Os meus cavalos estão mais bem acomodados”.

Essa observação foi à pedra fundamental do Hospício D. Pedro II.

Tom gostava de outra parte da vida de Cruz Jobim, quando solicitado a escolher um título de nobreza.

– Vamos, Dr. Jobim, escolha o título…

– Só se V.M. oferecer-me o título de Barão de Inhacurutu…

– Que significa esse nome?

– Em língua dos indígenas quer dizer “coruja”.

Foi uma vida muito curta para tanta grandiosidade, dizia o Tom. Certamente, o Conselheiro pensava o mesmo de seu admirador! O que diria o Diretor e criador da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Conselheiro de sua Majestade sobre a obra de Antonio Carlos Jobim?

Certamente não entenderia o “samba do avião” por razões óbvias, mas ficaria iluminado quando ouvisse:

Lua, espada nua, bóia no céu imensa e amarela
Tão redonda lua, como flutua
Vem navegando o azul do firmamento e no silêncio lento
Um trovador cheio de estrelas
Escuta agora a canção que eu fiz pra te esquecer, Luíza
Eu sou apenas um pobre amador, apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda amor, que eu sei que embaixo dessa neve mora um coração
Vem cá, Luíza, me dá tua mão…

É provável que pela sua formação rígida, Cruz Jobim reprovaria a vida do Maestro. Em especial a boemia com Vinicius e os excessos…

Certamente a reprovação cairia por terra quando ouvisse, flutuando no espaço, os arranjos e as letras da dupla.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A felicidade do pobre parece

A grande ilusão do carnaval

A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim

*Professor Titular de Medicina Interna da UFRGS e Chefe do Serviço de Imunologia do HCPA